sexta-feira , 15 novembro , 2024

Crítica | Lovecraft Country – 01×06: Meet Me in Daegu

Lovecraft Country tomou um rumo bastante inesperado nesta última semana ao finalmente trazer à luz uma intrigante personagem que nem ao menos havia dado as caras na série. Para aqueles que não se recordam, a jornada do problemático Atticus (Jonathan Majors) é permeada por alguns segredos que insistem em se manter trancafiados em seu subconsciente – e um deles tem a ver com a misteriosa Ji-Ah, uma mulher e possível amante com quem cruzou caminhos durante a Guerra da Coreia. Agora, chegou a vez da personagem, interpretada pela incrível Jamie Chung, finalmente ter o seu momento de glória no filler “Meet Me in Daegu” – que, diferente do estigma que esse tipo de episódio carrega, atua com bastante força nos arcos protagonistas e até mesmo no sobrenatural panorama arquitetado por Misha Green.

É claro que esse sexto capítulo traria algumas relações com as personas já apresentadas, mas Chung tem espaço de sobre para fornecer ao público todas as camadas de sua personalidade – sem abandonar o teor arrepiante que vem acompanhado essa interessante produção da HBO desde o princípio. Ji-Ah mostra-se como uma simples estudante de enfermagem coreana que deseja trazer honra de volta para sua família depois da morte do pai. Entretanto, seu espectro ingênuo e humilde é permeado por uma incógnita que ganha força logo nos primeiros minutos: Ji-Ah é, na verdade, a encarnação do demônio kumiho, criatura da mitologia asiática que significa “a raposa de nove caudas”. Para aqueles que não conhecem, esse monstro é uma antiga e emblemática força que se transforma em uma linda mulher para seduzir os homens e engolir seu coração – ou, nesse caso, absorver a alma de suas vítimas.



Diferente do compêndio literário apresentado, o ser mitológico de Lovecraft Country passa por algumas “humanizações”, por assim dizer, fugindo de seu teor essencialmente alegórico para criar laços afetivos não apenas com os outros personagens, mas também com o público – algo que se provou bem eficaz, visto que a ideia aqui é desmistificar (e aparar as controvérsias) do panteão de H.P. Lovecraft para uma estética modernizada e crítica. Infundir o kumiho na grandiosa guerra entre a Coreia do Sul e da Coreia da Norte foi uma jogada de mestre de Green e de seu competente time criativo, permitindo, dessa forma, que o conflito de gerações explodisse em vibrante sequências. É a partir daí que o demônio, invocado pela mãe de Ji-Ah, começa a desenvolver sentimentos humanos, como o amor, o ódio e o rancor.

Chung faz um trabalho excepcional ao se afastar de todos os seus papéis anteriores e brincar com as nuances entre a sutileza clássica e o torpor frenético: ela até mesmo serve como alicerce para o embate ideológico e mortal entre capitalismo e comunismo, observando, impotente, o momento em que sua melhor amiga é levada pelo exército estadunidense e torturada por fornecer informações aos “inimigos”. A partir daí, Ji-Ah mergulha num turbilhão de emoções, sentindo-se assustada e à beira de um ataque de nervos que atinge seu ápice quando Tic é levado para o hospital onde ela trabalha para ser tratado – aliás, Tic se apaixona por Ji-Ah e a jovem, como forma de se vingar, decide transformá-lo em sua próxima vítima.

Helen Shaver comanda a nova iteração da primeira temporada e, de modo exímio, consegue investir seus esforços para muitos eventos de extrema importância – à medida que transfere os holofotes para apenas dois personagens. Os dois começam a gostar um do outro através de menções a romances antigos, como ‘O Conde de Monte Cristo’ (que parece ter mais recorrência na vida dos protagonistas do que acreditamos) e musicais da Era de Ouro hollywoodiana que transforma Ji-Ah numa espécie de utopista fabulesca que parece devanear quanto à própria natureza. Afinal, ela está ali por um motivo – e não é deixar se levar pelas mentiras dos homens, mas sim levá-los à forra em uma vendeta pessoal (e talvez pela sua pátria).

É interessante ver de que forma o roteiro não deixa se levar apenas por um gênero, permitindo, todavia, um pastiche fusional que oscila do drama até o body horror. Temos o sangrento gore de cenas em que kumiho toma forma, e temos o retorno às incursões beligerantes de época em que dois forasteiros se envolvem como promessa de um futuro melhor – apenas para lidarem com o prospecto de que, na verdade, não podem ficar juntos. Porém, o grande ponto é a singela expressividade sinestésica da qual o capítulo se vale para deixar no ar a seguinte pergunta: no final das contas, quem é o verdadeiro monstro? À medida que essas questões continuam a permear o fio condutor da série, Lovecraft Country se mostra como uma necessária produção que fala com as vozes da atualidade.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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É claro que esse sexto capítulo traria algumas relações com as personas já apresentadas, mas Chung tem espaço de sobre para fornecer ao público todas as camadas de sua personalidade – sem abandonar o teor arrepiante que vem acompanhado essa interessante produção da HBO desde o princípio. Ji-Ah mostra-se como uma simples estudante de enfermagem coreana que deseja trazer honra de volta para sua família depois da morte do pai. Entretanto, seu espectro ingênuo e humilde é permeado por uma incógnita que ganha força logo nos primeiros minutos: Ji-Ah é, na verdade, a encarnação do demônio kumiho, criatura da mitologia asiática que significa “a raposa de nove caudas”. Para aqueles que não conhecem, esse monstro é uma antiga e emblemática força que se transforma em uma linda mulher para seduzir os homens e engolir seu coração – ou, nesse caso, absorver a alma de suas vítimas.

Diferente do compêndio literário apresentado, o ser mitológico de Lovecraft Country passa por algumas “humanizações”, por assim dizer, fugindo de seu teor essencialmente alegórico para criar laços afetivos não apenas com os outros personagens, mas também com o público – algo que se provou bem eficaz, visto que a ideia aqui é desmistificar (e aparar as controvérsias) do panteão de H.P. Lovecraft para uma estética modernizada e crítica. Infundir o kumiho na grandiosa guerra entre a Coreia do Sul e da Coreia da Norte foi uma jogada de mestre de Green e de seu competente time criativo, permitindo, dessa forma, que o conflito de gerações explodisse em vibrante sequências. É a partir daí que o demônio, invocado pela mãe de Ji-Ah, começa a desenvolver sentimentos humanos, como o amor, o ódio e o rancor.

Chung faz um trabalho excepcional ao se afastar de todos os seus papéis anteriores e brincar com as nuances entre a sutileza clássica e o torpor frenético: ela até mesmo serve como alicerce para o embate ideológico e mortal entre capitalismo e comunismo, observando, impotente, o momento em que sua melhor amiga é levada pelo exército estadunidense e torturada por fornecer informações aos “inimigos”. A partir daí, Ji-Ah mergulha num turbilhão de emoções, sentindo-se assustada e à beira de um ataque de nervos que atinge seu ápice quando Tic é levado para o hospital onde ela trabalha para ser tratado – aliás, Tic se apaixona por Ji-Ah e a jovem, como forma de se vingar, decide transformá-lo em sua próxima vítima.

Helen Shaver comanda a nova iteração da primeira temporada e, de modo exímio, consegue investir seus esforços para muitos eventos de extrema importância – à medida que transfere os holofotes para apenas dois personagens. Os dois começam a gostar um do outro através de menções a romances antigos, como ‘O Conde de Monte Cristo’ (que parece ter mais recorrência na vida dos protagonistas do que acreditamos) e musicais da Era de Ouro hollywoodiana que transforma Ji-Ah numa espécie de utopista fabulesca que parece devanear quanto à própria natureza. Afinal, ela está ali por um motivo – e não é deixar se levar pelas mentiras dos homens, mas sim levá-los à forra em uma vendeta pessoal (e talvez pela sua pátria).

É interessante ver de que forma o roteiro não deixa se levar apenas por um gênero, permitindo, todavia, um pastiche fusional que oscila do drama até o body horror. Temos o sangrento gore de cenas em que kumiho toma forma, e temos o retorno às incursões beligerantes de época em que dois forasteiros se envolvem como promessa de um futuro melhor – apenas para lidarem com o prospecto de que, na verdade, não podem ficar juntos. Porém, o grande ponto é a singela expressividade sinestésica da qual o capítulo se vale para deixar no ar a seguinte pergunta: no final das contas, quem é o verdadeiro monstro? À medida que essas questões continuam a permear o fio condutor da série, Lovecraft Country se mostra como uma necessária produção que fala com as vozes da atualidade.

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