quarta-feira, abril 24, 2024

Crítica | Luna – Filme nacional aborda intimidade vazada na internet

O professor discute com os alunos as alegações sobre o golpe presidencial que o Brasil sofreu em 2016, o diálogo continua como um pano de fundo e a câmera foca no rosto de Luana (Eduarda Fernandes), apreensiva, que olha para o movimento ao seu redor até ir ao banheiro pegar o seu celular e ver algo que a arrebata. Ela sai correndo até sua casa, abre o laptop e lê xingamentos repetidos a exaustão. Sentindo-se humilhada, Luana pedala até o local de trabalho de sua mãe e grita desesperadamente.

A começar pelo seu ápice, Luna, do mineiro Cris Azzi (Sumidouro), é um filme de reconstrução dos fatos. Para chegar àquele momento de angústia, o roteiro volta ao primeiro dia de aula, no qual Luana conhece a aluna novata Emília (Ana Clara Ligeiro).

Enquanto Luana vende brigadeiros na hora do intervalo, a nova aluna fica sozinha no canto da sala. Nessa solidão em que as duas se encontram, elas começam a conversar sobre seus signos e contemplar a possibilidade de uma amizade. Ambas são filhas únicas, mas Emília é rica e os seus pais vivem viajando, ao passo que Luana mora em um casa sem reboco apenas com a mãe (Lira Ribas), que trabalha quase o dia inteiro.

Os mundos diferentes se fascinam e interagem, Emília convida Luana para o fim de semana na sua casa, com um piscina com vista para cidade. Juntas elas experimentam o universo uma da outra. Emília a apresenta um site na internet em que as pessoas apenas se observam. Com máscaras para não serem reconhecidas, elas dançam juntas em frente ao chiado do computador. Não vemos os outros, apenas as duas se movimentado sob a luz da tela.

Com o passar do tempo Emília e Luana tornam-se inseparáveis e os desejos sexuais delas começam a pulsar. Em uma inocente abordagem, Emília sugere a Luana que elas treinem um beijo para saber como seria com um rapaz. Luana caçoa dela, afinal, nunca lhe ocorrera beijar outra menina.

Luana torna-se mais extrovertida e aberta a explorar os seus desejos, no entanto, quando as coisas vão mais longe que ela imagina, ela abandona o navio. Ao chegar sozinha depois de uma festa na casa de Emília, o pai da amiga está lá e trava um estranhíssimo diálogo com Luana sobre as suas preferências. Confusa, ela vai dormir, mas no meio da noite o pai da Emília entra no seu quarto.

Este é estopim para todo o desenlace do início do filme. A sua amiga pede que não conte para ninguém sobre o comportamento do pai, elas se estranham e, de repente, Emília mando um vídeo de Luana com os seios à mostra. Os motivos do envio não são revelados explicitamente, o que deixa espaço para sugestões.

Não deixe de assistir:

Contudo, o vídeo se espalha por outra fonte e voltamos ao início do filme. A discussão de Luna vai muito além do bullying, da vergonha e do desespero juvenil para viver “tudo ao mesmo tempo agora”. Há dois filmes fortes que mesclam o assédio moral sofrido pelos jovens e as suas tragédias pessoais. Um deles é o Depois de Lúcia (2012) e o outro é A Girl Like Her (2015), mas nenhum deles faz o percurso da coragem de enfrentar o opressor.

Esse, portanto, é o grande diferencial de Luna. O diretor e roteirista fez questão de conversar com a menina que teve a intimidade exposta para trazer um tom realístico e necessário para a temática em questão.

Os créditos aparecem, mas o filme continua. O momento final é a parte mais redentora de toda essa história de escalada do descobrimento da sexualidade e a construção do que é transição de menina a mulher. As atrizes estreantes estão ótimas no universo dos seus personagens, elas incorporam a beleza do despertar das experiências e dos posicionamentos políticos necessários para afirmar-se no mundo.

Luna costura uma postura afirmativa, quase utópica de como as meninas poderiam responder aos seus opressores. Embora a cena funcione no filme, fora da narrativa é uma incógnita.

Apesar de alguns espaços vazios, Luna é um filme de amadurecimento da juventude, ainda escasso no cinema nacional, mas cada dia mais sendo explorado e ornado com as questões que merecem ser debatidas. Apenas este ano, as produções nacionais já discutiram aborto em Alguma Coisa Assim, de Esmir Filho, e bissexualidade em Ana e Vitória, de Matheus Souza. Os ventos do cinema jovem estão soprando forte e Luna é mais uma obra na concretização de um cinema jovem de entretenimento e reflexão.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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