Cinema para Todos
Um bom diretor é um bom contador de histórias. Parece simples, mas transmitir ao grande público o desejado não é das tarefas mais fáceis. Digo o grande público porque, sim, a missão de todo filme é atingir o maior número de pessoas possíveis. Daí você pensa: “blockbusters se vendem pela massiva campanha de marketing”. Bem, sim e não. Se fosse o caso, desastres do nível de Lanterna Verde (2011), Battleship – A Batalha dos Mares (2012) e O Cavaleiro Solitário (2013), só para citar alguns dos mais recentes, teriam sido abraçados pelo grande público e atingido seu objetivo, já que campanha de marketing massiva para eles também não faltou. Não foi o caso.
Isso também se reflete no cinema nacional, onde achar um meio termo entre o cinema de arte confeccionado e vendido para poucos, e as comédias descerebradas de tremendo sucesso, ainda é muito difícil. Sucesso não deve ser sinônimo de falta de qualidade. E não é. Sucesso em qualquer área é o objetivo buscado por todos. Consegui-lo é um grande êxito. Muita coisa ruim faz sucesso? Faz. Muita coisa boa passa despercebida. É um fato. Mas o oposto também existe.
Tudo isso para chegarmos até Afonso Poyart, cineasta paulistano de 37 anos, que se tornou um dos expoentes do cinema brasileiro. Poyart trilha o caminho aberto por outros tantos diretores tupiniquins antes dele, o de ter reconhecimento mundial. 2 Coelhos (2012), primeiro longa-metragem do diretor, foi lançado sem um enorme rebuliço, mas conquistou status de cult, prometendo inclusive uma refilmagem lá fora. Poyart criou um tipo de cinema muito utilizado mundialmente e mostrou que o Brasil também pode fazer igual. A obra valoriza a técnica e a estética, sem esquecer os demais elementos (coisa que a maioria faz) formadores de um todo numa produção cinematográfica.
Mais Forte que o Mundo é apenas o terceiro longa do diretor, após uma rápida passagem pelo cinema estrangeiro com Presságios de um Crime (2015) – no qual apenas imprimiu seu estilo e narrativa a uma obra feita sob encomenda. No entanto, Poyart já pode ser enaltecido como um dos maiores contadores de histórias de nosso país, justamente pela identificação que seus projetos criam junto ao público. Com o novo filme, que tem tudo para se tornar seu maior sucesso, a coisa não é diferente e a promessa é de conexão com todo tipo de espectador.
Optando por uma biografia pouco usual, Poyart narra a história de José Aldo, rapaz de origem humilde, saído do Amazonas para tentar a vida no Rio de Janeiro, e depois conquistar o mundo como campeão do esporte de luta que substituiu o boxe no gosto popular, o MMA, também conhecido como Vale Tudo. E quando cito biografia pouco usual, me refiro ao fato de que biografias de artistas são as mais utilizadas em nosso cinema.
Mais Forte que o Mundo, em seu roteiro, não possui nada que não tenhamos visto anteriormente, em dezenas de biografias e filmes fictícios. Esta é, por exemplo, a história de Rocky Balboa, herói saído de baixo que ganha a chance de reconhecimento astronômico no esporte. Por outro viés, o filme se torna um drama familiar bem explorado, que foca acima de tudo na relação de pai e filho. Seu José, a figura paterna, interpretado por Jackson Antunes, é o fantasma que perpetua ao lado do protagonista, se tornando mais difícil de ser derrotado do que qualquer adversário.
Poyart, que também assina o roteiro, faz questão de enraizar a vida de seu protagonista em sua cidade de origem, enfatizando bem o quanto de nossa história levamos conosco para sempre e, muitas vezes nunca nos desvencilhamos. Em tal cenário, o cineasta reporta além da vida de José Aldo com a família, a relação com Luiza (Paloma Bernardi), o primeiro amor, e com Fernandinho (Romulo Neto), o eterno rival. Os fantasmas seguem assombrando o protagonista e terão seus papeis cruciais na modulação de seu caráter e personalidade.
Por falar em protagonista, José Loreto, que personifica Aldo no filme, tem um dos melhores desempenhos de sua carreira, se mostrando disposto a tomar para si o título de novo astro do cinema nacional. Com muita vontade, Loreto tem um desempenho enérgico nas (esperadas e difíceis) cenas de ação e luta, ao mesmo tempo demonstrando uma satisfatória envergadura dramática em momentos chave. O elenco de apoio acompanha, seguindo de perto, como as performances dos citados Antunes e Neto, além de Claudia Ohana, Rafinha Bastos e do sempre ótimo Milhem Cortaz. Sem esquecer a musa Cleo Pires, que ano passado com Operações Especiais e agora com este filme (no papel da lutadora Viviane), desponta como a mulher de ação do cinema nacional.
Apesar das amarras impostas por cinebiografias, Poyart tem muito talento para desfazê-las, tanto em seu roteiro bem elaborado, que foca atuações, cenas e diálogos – jogando holofotes nas relações humanas – quanto em sua especialidade, a parte técnica. O diretor abusa do estilo narrativo, entregando uma montagem moderna e artística ao mesmo tempo. A marca do cineasta é impressa em variados momentos, como quando Aldo pula corda e uma câmera é posicionada justamente no objeto, por exemplo, criando uma nova perspectiva para o público, assim presenteando-o, e elevando o jogo para os colegas conterrâneos da área.