Sangue nos Olhos
Tido como o melhor filme de Nicolas Cage nesta nova fase de sua carreira, Mandy: Sede de Vingança marca absurdos 91% de aprovação da imprensa especializada no agregador Rotten Tomatoes – chegando agora ao Brasil diretamente no mercado de vídeo e streaming. Caído em desgraça em sua carreira (e vendo todos os seu lançamentos saírem direto em vídeo), o talentoso ex-astro duas vezes indicado ao Oscar, e vencedor por Despedida em Las Vegas (1995), pode até não estar em seu período criativo mais fértil, mas vem fazendo escolhas inusitadas como de costume, desde a época de seu início de carreira – vide Um Estranho Vampiro (1988).
Uma das melhores maneiras de definir Mandy seria: uma fusão entre os cinemas de Terrence Malick, Nicolas Winding-Refn e Eli Roth. Escrito e dirigido por Panos Cosmatos, filho do lendário George P. Cosmatos (diretor de Rambo 2 – A Missão e Stallone Cobra), o longa traz uma história simples, mas foca nas entrelinhas das diversas possibilidades inquisitivas. Fala sobre temas universais como vida e morte, mas o faz com estilão do cinema de arte – onde pouco é dito e muito é sentido e percebido. Ah, sim. Sem esquecer uma ou outra chacina violenta entre suas ponderações.
Na trama, Cage vive Red Miller, um sujeito humilde, que trabalha como lenhador para uma empresa. Sua rotina é básica e até enfadonha. Ele vive numa isolada cabana na floresta ao lado da companheira Mandy Bloom (papel de uma camaleônica Andrea Riseborough) – que cita a proximidade da moradia com o famoso Crystal Lake. A moça é chegada em esquisitices, como ocultismo, e adora ler livros sobre bruxaria. Entre os hobbies do casal, está assistir a filmes trash de ficção. Só na estranha interação da dupla, Mandy já renderiam uma obra sinistra, remetendo a Anticristo (2009), de Lars von Trier.
Com capítulos dividindo o longa por subtítulos (Mandy seria o terceiro), todos com fontes de letras mais do que estilosas, a forma, a sua embalagem, é uma luz de neon forte saída diretamente da Times Square. Ficamos entorpecidos por tamanha beleza visual. O problema é que o diretor Cosmatos parece tentar demais ser cool e cult, soando over, exagerado e artificial. Todas as cenas são extravagantes, ao ponto de nos deixar cansados. A proposta, porém, é louvável.
De luzes berrantes em tons de vermelho e azul – na fotografia de Benjamin Loeb -, passando por elementos que nos trazem para a época favorita dos nerds oldschool (a década de 1980), chegando até a ultraviolência excessiva e estilizada, e a trilha hipnótica incessante do saudoso Jóhann Jóhannsson (em um de seus últimos trabalhos), Mandy força a barra para que o amemos, sendo na realidade difícil resistir a seus encantos. Uma vez dito isso, vale frisar também que o filme está longe de ser acessível a todos os gostos, uma vez que aqui temos a forma sobrepujando o conteúdo. Esta é uma obra para aqueles que têm gosto pelo inusitado, pelo incomum, pelo estranho, pelo bizarro e pelo trash, principalmente.
Como diz o título, logo o protagonista entra em rota de colisão com um grupo de fanáticos religiosos, meio satanistas, meio cristãos. A crítica aqui é ao fanatismo, mas Cosmatos não dá nome aos bois – misturando tudo no mesmo pacote, o que até faz sentido. Assim, temos uma seita libertina, que promove o amor livre, mata, trucida, invoca demônios, mas fala em Deus e se reúne em uma igreja. Seu maior erro foi mexer com um Cage encapetado, com sangue nos olhos, que irá até as últimas consequências para completar sua vingança. Literalmente.
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Não fosse por seu estilo visual, que chega chutando a porta e explodindo a casa, Mandy seria apenas mais um filme de vingança, com elementos sobrenaturais – do tipo que o próprio Cage já explorou no mais comercial, mas ainda assim divertido, Fúria Sobre Rodas (2011). O novo filme tem a pompa de ser “mais artístico”, talvez por isso a maior parte da imprensa tenha comido o longa com farinha. Por outro lado, é compreensível todos os que o acusarem de ser pretensioso demais.
Os pontos de Mandy vão para o elenco. Andrea Riseborough mostra que é uma atriz corajosa, e com uma grande cicatriz no rosto, mais magra, pupilas ultradilatadas e uma estranheza inerente, fica a par com Cage entrando de cabeça na brincadeira. Já seu colega de cena, entrega um desempenho insano como esperaríamos dele num projeto como este – o ponto alto é sua surtação no banheiro, de cueca, após o maior choque de sua vida.
No saldo final, Mandy acerta mais do que erra. Acredito que se for para fazer um terror trash, tentado à exaustão, por que não fazê-lo assim, em grande estilo, no nível de uma ópera? Ao menos podemos dizer que não é algo que se vê sempre. O visual, sem dúvida, ficará em nossas mentes por um bom tempo (ou quem sabe eternamente). No entanto, se você não tem o mínimo apreço para o estilo, não pense que Mandy é a reinvenção da roda, aberto a todo tipo de espectador. Ou se espera uma produção mais convencional, dona de maiores explicações sobre o que ocorre em tela, este não é o lugar para você. Aqui, adentramos o sétimo nível do inferno, com Cage inteiramente coberto de sangue, dirigindo seu carro e sorrindo para você de forma mais perturbadora impossível, enquanto a luz de neon vermelha nos cega. Bem-vindo.
Assista:
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