domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | Maniac – Emma Stone e Jonah Hill em montanha russa emocional, ficção e fantasia

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Brilho Eterno de Mentes com Muitas Lembranças

Um verdadeiro banquete para psiquiatras, psicólogos e os aficionados pelos desdobramentos e abalos da mente humana, Maniac é a nova minissérie original da Netflix. E quando digo original, me refiro a ser um programa produzido e lançado pela empresa (e não apenas exibido), já que na realidade se trata de uma obra levemente baseada num seriado norueguês de mesmo nome, lançado em 2015 (com duas temporadas), escrito e protagonizado por Espen Petrus Andersen Lervaag.

Ao contrário de sua contraparte norueguesa – a qual apresenta as inúmeras desventuras da vida perfeita do protagonista, todas ocorridas dentro de sua própria mente, já que sua realidade é o confinamento num sanatório -, a trama da versão norte-americana foca em dois personagens protagonistas e não apenas em um. Assim, paralelamente conhecemos Annie (Emma Stone) e Owen (Jonah Hill). A dupla de atores se reencontra onze anos depois de Superbad – É Hoje (2007), primeiro filme para o cinema da carreira de Stone e o primeiro de destaque de Hill.



Não deixa de ser curioso ver atores deste porte embarcando num projeto para a TV – ou plataforma de streaming. Se levarmos em conta que se trata de uma empresa bilionária como a Netflix, faz mais sentido. Hill, embora não seja um grande astro, já tem duas indicações ao Oscar. E Stone, vitoriosa recentemente por La La Land, é um dos grandes nomes femininos de Hollywood no momento. Em Maniac, ganhamos exatamente o que esperamos destes atores, desempenhos afiadíssimos que provavelmente constam como alguns dos melhores de suas carreiras.

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A produção é trabalhada com esmero por Cary Joji Fukunaga (Beasts of No Nation, True Detective e It: A Coisa), criador e diretor de todos os dez episódios. E grande parte do êxito deve ir para ele. Cada detalhe desta obra de ficção futurista-retrô é minucioso. As cores, a direção de arte, tudo é confeccionado para nos capturar logo nos primeiros minutos, nos intrigando a ponto de não conseguirmos afastar os olhos da tela.

O fascínio é imediato para os mais velhos ou apenas os que são fãs de ficção da década de 1970 e 1980 (ou até mais antigas), com laboratórios repletos de aparelhagens modernas e ao mesmo tempo defasadas. É como se olhassem para o futuro, com tecnologias que ainda não temos ou dominamos, através dos olhos das décadas citadas. São muitos painéis de luzinhas piscando e botões, maquinário de visual ultrapassado, muitos fios e equipamentos nada sofisticados – isto é, para os padrões de hoje. O fato por si só já cria uma amálgama de sensações, entre passado, presente e futuro, causando um sentimento de desconforto e deslocação; estranheza essa que o programa irá trabalhar através de seus personagens igualmente e da trama.

Nesta Nova York, que muito bem poderia pertencer a uma realidade paralela (já que logo de cara podemos perceber uma outra Estátua da Liberdade no lugar da que estamos acostumados), estes dois protagonistas trágicos irão cruzar seus caminhos, numa jornada com traços de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004), caprichando ainda mais na esquisitice da temática e elementos de fantasia.

De fato, até mesmo o formato dos episódios entra na brincadeira enigmática dos criadores, com alguns episódios finais durando apenas 20 ou 30 minutos, em comparação com os demais em torno dos 40 minutos. No primeiro episódio, somos apresentados ao jovem problemático Owen (Hill), maníaco depressivo, que já tentou o suicídio e sofre com alucinações. Ele vê o que não está lá, elemento este que apenas soma ao teor lisérgico do programa. Seu sofrimento não acaba em sua própria mente e o sujeito precisa lidar com a família rica e sem escrúpulos. O pai severo, vivido por Gabriel Byrne, e o irmão mais velho, Billy Magnussen (ótimo em seu papel do canalha Jed, totalmente oposto ao apresentado na comédia A Noite do Jogo). Aliás, grande parte da trama de Owen gira em torno de um testemunho que precisa dar em corte para inocentar seu irmão de graves acusações.

Maniac é um incrível estudo de personagens. Fala sobre dores trágicas e como conseguir lidar com elas, quando tudo que precisamos fazer é tentar seguir adiante. No meio de toda a insanidade – completamente justificável – a série ainda arruma espaço para debater em suas muitas camadas temas extremamente atuais e relevantes como o abuso de mulheres e assédio sexual no trabalho.

No segundo episódio, Maniac já nos surpreende com sua criatividade, reconstituindo os mesmos passos apresentados anteriormente, agora vistos através de Annie, a personagem de Emma Stone. Dona de seus próprios demônios, Annie luta para se reconectar com o pai distante e superar a trágica morte da irmã mais nova, a qual havia jurado proteger – sua irmã é interpretada pela carismática Julia Garner (Ozark). O ato de se libertar de tamanho peso nos ombros é quase impossível e a jovem apela para drogas e medicamentos fortíssimos. Esta é a deixa que a leva até o experimento, no qual se concentram grande parte dos episódios.

É inusitado e ao mesmo tempo interessante, aqui temos dois personagens tão ricos e donos de psiques tão abaladas, que por si só caberia uma série falar apenas sobre eles. Mas o caminho abordado resolve dar uma volta maior, os jogando dentro de uma situação que nada tinha a ver com nenhum dos dois, para assim o acaso entrar em jogo os fazendo resolver num intensivão todos os seus problemas psicológicos. Annie entra para conseguir drogas pesadas, que a anestesiam e a tiram da realidade para adormecer o trauma. No percurso, irá conseguir algo melhor. Isto é, caso termine o experimento.

Annie chega ao local com seu objetivo, e Owen vai atrás, acreditando logo numa possível conexão. Os dois têm seus motivos. Seria apenas coincidência ou será o famoso “destino” interligando suas estradas?

Fazendo uso de um estilo narrativo que pode ser considerado lento para o público jovem, enérgico e disperso que costuma consumir as produções da Netflix como água, Maniac não é o tipo de programa recomendado para todos os espectadores. Pelo contrário. É necessário ter o mínimo apreço por todos os gêneros e estilos cinematográficos (ou audiovisuais) para conseguir ganhar o presente que aos poucos vai de desvendando diante de nós. Existe muito a ser tirado de trechos verdadeiramente devastadores emocionalmente – como o “reencontro” de Annie e sua irmã. De doer o coração.

Além de todos esses detalhes, a série ainda encontra tempo para brincar, transitando entre subgêneros e tipos, quando nos apresentam as etapas do experimento e as realidades para onde os personagens são jogados, tudo dentro de suas próprias mentes. Temos uma história de crime passada nos anos 1980, temos uma trama de espionagem, outra de fantasia a la Senhor dos Anéis e até mesmo um filme de ação, com direito a tiroteio e pancadaria servida por Stone (ou sua dublê), de fazer inveja à Viúva Negra de Scarlett Johansson.

Como dito, a dupla atinge (ou mantém) a nota máxima em suas performances – sendo o desempenho de Hill, todo internalizado, ainda mais impressionante. Sim, o humorista sabe fazer sofrer. Sally Field aparece já para o final com uma personagem muito boa que traz grande parte do humor sarcástico para o programa – este de forma geral muito mais focado no drama do que na comédia. Mas não tem como terminar um texto sobre Maniac e deixar de fora o desempenho de outra dupla, esta de coadjuvantes: Justin Theroux e Sonoya Mizuno.

O primeiro, mais conhecido, aparece um pouco menos, mas marca com seu gênio incompreendido, o Doutor James K. Mantleray, uma das mentes por trás do experimento. Mas quem rouba grande parte do show, de forma surpreendente, é a atriz japonesa. Irreconhecível aqui, após seu chamativo desempenho em Ex-Machina (ela é a secretária de Oscar Isaac, que guarda um grande segredo), Mizuno tem um trabalho digno para ser o divisor de águas em sua carreira na pele da cientista Azumi Fujita, braço direito do experimento.

Maniac é uma destas obras transcendentais, que nos faz parar um pouco e começar a reavaliar nossas vidas, relações interpessoais e de forma geral nossa existência. É potente e muito mais emotiva do que o previsto. É para ver e rever, guardar na cabeceira e refletir.

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Ao contrário de sua contraparte norueguesa – a qual apresenta as inúmeras desventuras da vida perfeita do protagonista, todas ocorridas dentro de sua própria mente, já que sua realidade é o confinamento num sanatório -, a trama da versão norte-americana foca em dois personagens protagonistas e não apenas em um. Assim, paralelamente conhecemos Annie (Emma Stone) e Owen (Jonah Hill). A dupla de atores se reencontra onze anos depois de Superbad – É Hoje (2007), primeiro filme para o cinema da carreira de Stone e o primeiro de destaque de Hill.

Não deixa de ser curioso ver atores deste porte embarcando num projeto para a TV – ou plataforma de streaming. Se levarmos em conta que se trata de uma empresa bilionária como a Netflix, faz mais sentido. Hill, embora não seja um grande astro, já tem duas indicações ao Oscar. E Stone, vitoriosa recentemente por La La Land, é um dos grandes nomes femininos de Hollywood no momento. Em Maniac, ganhamos exatamente o que esperamos destes atores, desempenhos afiadíssimos que provavelmente constam como alguns dos melhores de suas carreiras.

A produção é trabalhada com esmero por Cary Joji Fukunaga (Beasts of No Nation, True Detective e It: A Coisa), criador e diretor de todos os dez episódios. E grande parte do êxito deve ir para ele. Cada detalhe desta obra de ficção futurista-retrô é minucioso. As cores, a direção de arte, tudo é confeccionado para nos capturar logo nos primeiros minutos, nos intrigando a ponto de não conseguirmos afastar os olhos da tela.

O fascínio é imediato para os mais velhos ou apenas os que são fãs de ficção da década de 1970 e 1980 (ou até mais antigas), com laboratórios repletos de aparelhagens modernas e ao mesmo tempo defasadas. É como se olhassem para o futuro, com tecnologias que ainda não temos ou dominamos, através dos olhos das décadas citadas. São muitos painéis de luzinhas piscando e botões, maquinário de visual ultrapassado, muitos fios e equipamentos nada sofisticados – isto é, para os padrões de hoje. O fato por si só já cria uma amálgama de sensações, entre passado, presente e futuro, causando um sentimento de desconforto e deslocação; estranheza essa que o programa irá trabalhar através de seus personagens igualmente e da trama.

Nesta Nova York, que muito bem poderia pertencer a uma realidade paralela (já que logo de cara podemos perceber uma outra Estátua da Liberdade no lugar da que estamos acostumados), estes dois protagonistas trágicos irão cruzar seus caminhos, numa jornada com traços de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004), caprichando ainda mais na esquisitice da temática e elementos de fantasia.

De fato, até mesmo o formato dos episódios entra na brincadeira enigmática dos criadores, com alguns episódios finais durando apenas 20 ou 30 minutos, em comparação com os demais em torno dos 40 minutos. No primeiro episódio, somos apresentados ao jovem problemático Owen (Hill), maníaco depressivo, que já tentou o suicídio e sofre com alucinações. Ele vê o que não está lá, elemento este que apenas soma ao teor lisérgico do programa. Seu sofrimento não acaba em sua própria mente e o sujeito precisa lidar com a família rica e sem escrúpulos. O pai severo, vivido por Gabriel Byrne, e o irmão mais velho, Billy Magnussen (ótimo em seu papel do canalha Jed, totalmente oposto ao apresentado na comédia A Noite do Jogo). Aliás, grande parte da trama de Owen gira em torno de um testemunho que precisa dar em corte para inocentar seu irmão de graves acusações.

Maniac é um incrível estudo de personagens. Fala sobre dores trágicas e como conseguir lidar com elas, quando tudo que precisamos fazer é tentar seguir adiante. No meio de toda a insanidade – completamente justificável – a série ainda arruma espaço para debater em suas muitas camadas temas extremamente atuais e relevantes como o abuso de mulheres e assédio sexual no trabalho.

No segundo episódio, Maniac já nos surpreende com sua criatividade, reconstituindo os mesmos passos apresentados anteriormente, agora vistos através de Annie, a personagem de Emma Stone. Dona de seus próprios demônios, Annie luta para se reconectar com o pai distante e superar a trágica morte da irmã mais nova, a qual havia jurado proteger – sua irmã é interpretada pela carismática Julia Garner (Ozark). O ato de se libertar de tamanho peso nos ombros é quase impossível e a jovem apela para drogas e medicamentos fortíssimos. Esta é a deixa que a leva até o experimento, no qual se concentram grande parte dos episódios.

É inusitado e ao mesmo tempo interessante, aqui temos dois personagens tão ricos e donos de psiques tão abaladas, que por si só caberia uma série falar apenas sobre eles. Mas o caminho abordado resolve dar uma volta maior, os jogando dentro de uma situação que nada tinha a ver com nenhum dos dois, para assim o acaso entrar em jogo os fazendo resolver num intensivão todos os seus problemas psicológicos. Annie entra para conseguir drogas pesadas, que a anestesiam e a tiram da realidade para adormecer o trauma. No percurso, irá conseguir algo melhor. Isto é, caso termine o experimento.

Annie chega ao local com seu objetivo, e Owen vai atrás, acreditando logo numa possível conexão. Os dois têm seus motivos. Seria apenas coincidência ou será o famoso “destino” interligando suas estradas?

Fazendo uso de um estilo narrativo que pode ser considerado lento para o público jovem, enérgico e disperso que costuma consumir as produções da Netflix como água, Maniac não é o tipo de programa recomendado para todos os espectadores. Pelo contrário. É necessário ter o mínimo apreço por todos os gêneros e estilos cinematográficos (ou audiovisuais) para conseguir ganhar o presente que aos poucos vai de desvendando diante de nós. Existe muito a ser tirado de trechos verdadeiramente devastadores emocionalmente – como o “reencontro” de Annie e sua irmã. De doer o coração.

Além de todos esses detalhes, a série ainda encontra tempo para brincar, transitando entre subgêneros e tipos, quando nos apresentam as etapas do experimento e as realidades para onde os personagens são jogados, tudo dentro de suas próprias mentes. Temos uma história de crime passada nos anos 1980, temos uma trama de espionagem, outra de fantasia a la Senhor dos Anéis e até mesmo um filme de ação, com direito a tiroteio e pancadaria servida por Stone (ou sua dublê), de fazer inveja à Viúva Negra de Scarlett Johansson.

Como dito, a dupla atinge (ou mantém) a nota máxima em suas performances – sendo o desempenho de Hill, todo internalizado, ainda mais impressionante. Sim, o humorista sabe fazer sofrer. Sally Field aparece já para o final com uma personagem muito boa que traz grande parte do humor sarcástico para o programa – este de forma geral muito mais focado no drama do que na comédia. Mas não tem como terminar um texto sobre Maniac e deixar de fora o desempenho de outra dupla, esta de coadjuvantes: Justin Theroux e Sonoya Mizuno.

O primeiro, mais conhecido, aparece um pouco menos, mas marca com seu gênio incompreendido, o Doutor James K. Mantleray, uma das mentes por trás do experimento. Mas quem rouba grande parte do show, de forma surpreendente, é a atriz japonesa. Irreconhecível aqui, após seu chamativo desempenho em Ex-Machina (ela é a secretária de Oscar Isaac, que guarda um grande segredo), Mizuno tem um trabalho digno para ser o divisor de águas em sua carreira na pele da cientista Azumi Fujita, braço direito do experimento.

Maniac é uma destas obras transcendentais, que nos faz parar um pouco e começar a reavaliar nossas vidas, relações interpessoais e de forma geral nossa existência. É potente e muito mais emotiva do que o previsto. É para ver e rever, guardar na cabeceira e refletir.

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