quarta-feira , 20 novembro , 2024

Crítica | Marinheiro das Montanhas + Nardjes A. – Karim Aïnouz Traz a Argélia para o Cinema Brasileiro

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Saber a própria origem é um privilégio de poucas pessoas no mundo. A maioria de nós teve alguma interrupção na própria história: alguns foram abandonados pelos pais ou pelas mães ou tiveram seus progenitores sumidos ou assassinados; algumas famílias foram forçadas a se mudar, deixando para trás documentos; outras sequer sabiam escrever, para poder contar a própria história. Saber a origem de suas raízes é um impulso natural no ser humano, especialmente dentre aqueles que tiveram uma parte de si apagada por fatores externos. A busca por respostas faz sentido. E, nessa movimentação, o renomado diretor brasileiro Karim Aïnouz (de ‘A Vida Invisível‘) foi até a Argélia tentar entender essa parte que lhe faltava, e agora traz suas respostas para o cinema através de dois longas-metragens documentais que estreiam juntos: ‘Marinheiro das Montanhas’ e ‘Nardjes A.’.



Em janeiro de 2019 o diretor cearense Karim Aïnouz tomou coragem e decidiu fazer a viagem de retorno: queria ir para Argélia – mais especificamente, para o povoado de Cabília – conhecer a terra de seu pai, com quem pouco tivera contato ao longo de sua vida, mas cuja história sempre ouvira sua mãe, Iracema, contar. Para ter uma melhor visão da capital argelina, Karim decide ir por mar, e, durante o trajeto, especula o que irá encontrar nesta terra de onde sempre ouviu falar, mas cuja conexão com seu próprio eu ainda espera acontecer.

O documentário de duas horas de duração pode ser dividido em dois momentos: os primeiros 55 minutos têm a ver com a nostalgia, a expectativa e a chegada do diretor nesse país onde ele se vê no não-lugar – nem brasileiro, nem argelino; a segunda metade tem um tom narrativo diferente, mais divertido e pessoal, quando o diretor finalmente visita o vilarejo de origem de seu pai e lá encontra pessoas que supostamente seriam seus parentes indiretos. É nessa segunda parte que produção fica mais ensolarada e dinâmica para o espectador, onde podemos nos conectar com as emoções do cineasta em se sentir sobrecarregado de tantas informações e tanto afeto recebido por pessoas desconhecidas, mas às quais intimamente se sente ligado.

Já em ‘Nardjes A.’ o tom narrativo é completamente oposto. Seguindo mais a linha documental estritamente, a produção acompanha um dia na vida da ativista que dá título à obra. Acontece que, naquela época, início de 2019, toda sexta-feira o povo argelino estava indo às ruas protestar contra o governo de então, especialmente com relação à candidatura do então presidente que tentava a reeleição pela quinta vez consecutiva, mantendo-se no poder por décadas desde o fim do período colonial naquele país e a independência da Argélia nos anos de 1970. Assim, em 75 minutos o longa literalmente acompanha a saída da ativista de sua casa, indo em direção ao protesto, onde encontra conhecidos e se junta a desconhecidos nas palavras de ordem cantadas em alto e bom tom. Funcionando como um registro de seu tempo, o documentárioNardjes A.’ aproxima o espectador brasileiro da distante realidade da Argélia, que não sai nos jornais. Nesse sentido, Karim Aïnouz cumpre bem o seu papel de espectador e registrador de seu tempo, mostrando, através de sua obra, que a luta contra a opressão é similar dentre todas as classes oprimidas, não importa o país em que estejamos.

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Janda Montenegrohttp://cinepop.com.br
Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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Em janeiro de 2019 o diretor cearense Karim Aïnouz tomou coragem e decidiu fazer a viagem de retorno: queria ir para Argélia – mais especificamente, para o povoado de Cabília – conhecer a terra de seu pai, com quem pouco tivera contato ao longo de sua vida, mas cuja história sempre ouvira sua mãe, Iracema, contar. Para ter uma melhor visão da capital argelina, Karim decide ir por mar, e, durante o trajeto, especula o que irá encontrar nesta terra de onde sempre ouviu falar, mas cuja conexão com seu próprio eu ainda espera acontecer.

O documentário de duas horas de duração pode ser dividido em dois momentos: os primeiros 55 minutos têm a ver com a nostalgia, a expectativa e a chegada do diretor nesse país onde ele se vê no não-lugar – nem brasileiro, nem argelino; a segunda metade tem um tom narrativo diferente, mais divertido e pessoal, quando o diretor finalmente visita o vilarejo de origem de seu pai e lá encontra pessoas que supostamente seriam seus parentes indiretos. É nessa segunda parte que produção fica mais ensolarada e dinâmica para o espectador, onde podemos nos conectar com as emoções do cineasta em se sentir sobrecarregado de tantas informações e tanto afeto recebido por pessoas desconhecidas, mas às quais intimamente se sente ligado.

Já em ‘Nardjes A.’ o tom narrativo é completamente oposto. Seguindo mais a linha documental estritamente, a produção acompanha um dia na vida da ativista que dá título à obra. Acontece que, naquela época, início de 2019, toda sexta-feira o povo argelino estava indo às ruas protestar contra o governo de então, especialmente com relação à candidatura do então presidente que tentava a reeleição pela quinta vez consecutiva, mantendo-se no poder por décadas desde o fim do período colonial naquele país e a independência da Argélia nos anos de 1970. Assim, em 75 minutos o longa literalmente acompanha a saída da ativista de sua casa, indo em direção ao protesto, onde encontra conhecidos e se junta a desconhecidos nas palavras de ordem cantadas em alto e bom tom. Funcionando como um registro de seu tempo, o documentárioNardjes A.’ aproxima o espectador brasileiro da distante realidade da Argélia, que não sai nos jornais. Nesse sentido, Karim Aïnouz cumpre bem o seu papel de espectador e registrador de seu tempo, mostrando, através de sua obra, que a luta contra a opressão é similar dentre todas as classes oprimidas, não importa o país em que estejamos.

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