Com estreia marcada para esta quinta-feira (2), Creed III segue com a história de Adonis Creed (Michael B. Jordan) em sua carreira no boxe, agora sem os conselhos do velho Rocky Balboa. Depois de enfrentar a própria desconfiança e vingar a morte do pai, o desafio de Creed agora é se adaptar à vida fora dos ringues, dando foco ao empresariado e a sua mulher e filha. Porém, quando as coisas parecem começar a tomar um rumo mais tranquilo, um velho amigo de Donnie aparece para chacoalhar seu mundo.
Antes de tudo, é curioso como a franquia Creed foi desenvolvida nos cinemas sob três visões diferentes. O primeiro, e ainda imbatível, filme da saga teve direção do genial Ryan Coogler, que conseguiu conduzir tanto as tramas de Adonis quanto a de Rocky Balboa com equilíbrio e respeito a ambos. Já o segundo longa, dirigido por Steven Caple Jr., apresentou uma queda vertiginosa em relação ao anterior, ainda mais levando em conta que traria de volta o maior vilão da saga de Rocky. Com tantas promessas e expectativas altas pelo alto nível do longa de 2015, Steven se embolou com uma trama que não conseguiu entreter ou emocionar ninguém, passando longe do primeiro Creed e ainda mais longe dos filmes originais de Rocky. Agora, em 2023, a Warner preparou um verdadeiro choque na condução criativa, trazendo ninguém menos que o próprio Adonis Creed, o ator – e agora diretor – Michael B. Jordan, para comandar o terceiro capítulo.
Logo de cara, dar um filme com esse peso para alguém tão inexperiente é uma escolha de altíssimo risco. Queimar etapas da “jornada da direção” não costuma resultar em filmes tão bons. No entanto, é interessantíssimo ver um ator, cujas referências de entretenimento são de conhecimento público, usar as influências de suas produções favoritas na construção de seu estilo próprio de direção.
E dessa vez, no caso de Michael B. Jordan, as populares animações japonesas, os animes, conduzem 90% de sua visão cinematográfica para o longa. Durante os bastidores, surgiram conversas de que Jordan teria convencido o elenco a assistir episódios de Naruto com ele. O que inicialmente parecia apenas uma brincadeira, na verdade, foi um grande estudo para compor personagens e poses de Creed III.
Se você já tiver visto ao menos um episódio de Naruto ou Dragon Ball Z, provavelmente reconhecerá elementos desse estilo de animação sendo representados em tela. Em alguns momentos, essas inspirações ficam descaradas, como na divisão de tela para mostrar os olhares dos adversários ou nos flashbacks inseridos em momentos de luta, mostrando o passado dos personagens como incentivador à vingança ou até mesmo motivador. E chega a ser curioso como os característicos flashbacks da franquia Rocky, que tinham um papel narrativo quase nostálgico na trama, marcaram aqueles filmes, e ainda assim foram usados neste longa com uma outra função narrativa. E a melhor parte é que ambos funcionam. Então, embasado por suas maiores inspirações, Jordan consegue compensar sua inexperiência da direção com uma segurança fora do normal para um estreante.
Sobre o roteiro, a premissa é bem simples e até mesmo repetitiva dentro das franquias Rocky e Creed. O campeão desfruta seus dias de glória, até que um desafiante inexperiente aparece e consegue uma chance, tumultuando a vida do protagonista. O diferencial dessa vez é que o “fantasma do passado” agora é o irmão de consideração de Creed, que foi preso na adolescência e viu, da prisão, o rapaz levar a vida que ele sempre sonhou. Interpretado por Jonathan Majors, em mais uma atuação invejável, Damian é o antagonista perfeito de qualquer anime. É o ex-amigo frustrado que tem tudo para superar o protagonista, é uma ameaça, é adepto ao treino e tem métodos questionáveis, tal qual um Vegeta ou Sasuke da vida. E como ambos compartilharam uma parte importante da vida, a luta se torna pessoal.
E isso reflete na representação antagônica dos figurinos. Enquanto Adonis aparece usando roupas mais claras, Damian está sempre com roupas mais escuras. O vestuário busca passar essa sensação de conflito para compor a imagem de eternos rivais. De duas forças distintas que se complementam ao lutar pela mesma coisa. O ápice se dá justamente no embate final, em que seus calções recriam o Yin-yang, com Creed de calção e luvas brancas para enfrentar um Damian todo trajado de preto.
Entretanto, se tem um ponto negativo dessa vibe japonesa de Michael B. Jordan, é a falta de função para as personagens secundárias. Nenhum coadjuvante tem desenvolvimento, deixando até mesmo personagens queridas meio sem função na trama, marcando presença ali apenas para não reclamarem que esqueceram delas. A trama é toda focada no embate entre Donnie e Damian.
O roteiro até cria situações para que as mulheres da vida de Donnie participem da trama, como sua esposa, a mãe e sua filhinha em crescimento com a deficiência auditiva, mas nenhuma delas chega a ter efetivamente um desenvolvimento ou relevância para a história. Todas estão ali exclusivamente para servirem de gatilho para que o protagonista chegue ao embate final com sangue nos olhos. O que é infelizmente comum no cinema mundial, só que essas personagens são realmente interessantes e mereciam um desenvolvimento melhor.
E se há um ponto imperdoável aqui é o tratamento dado a Rocky Balboa. O próprio Sylvester Stallone já deu declarações dizendo se sentir traído pela produção. Para não dizer que ignoraram completamente o legado do Garanhão Italiano, há uma cena em que eles mostram uma foto dele sob as luvas no museu particular de Creed. Fora isso, o “Tio” sequer volta a ser mencionado, deixando na cabeça do público a dúvida se ele só se aposentou e foi morar longe ou se a idade bateu e o pugilista mais famoso de todos morreu. Há cenas em que a ausência de Rocky se torna imperdoável pela essência do personagem. E por mais que seja um filme sobre Creed e seu desenvolvimento, sua história começa intrinsecamente ligada à de Rocky Balboa. E pela importância do personagem na história do cinema, seria mais respeitoso e digno tirar dez minutos que fosse para dar um fim a sua trajetória cinquentenária.
Com mais acertos do que erros, Creed III chega com força para ocupar o posto de segundo melhor filme da trilogia. Afinal, traz cenas de ação estilizadas, ousa mais ao adaptar essa estética de anime e consegue trazer aquela sensação de “filme de boxe” que fez dos filmes de Rocky Balboa e Adonis Creed obras tão adoradas por diferentes gerações de fãs. É um cartão de apresentação muito interessante do diretor Michael B. Jordan, que tem tudo para trabalhar em projetos tão grandiosos quanto nos próximos anos. Definitivamente, é um filme que vale a pena gastar um dinheiro e conferir nos cinemas.
Creed III estreia nesta quinta-feira (2), nos cinemas de todo o Brasil.