sexta-feira, abril 26, 2024

Crítica | Monster – Diretor japonês constrói fabuloso suspense premiado em Cannes 2023

Monster, do japonês Hirokazu Kore-eda, bebe na fonte narrativa do mais emblemático filme do seu país, Rashomon (1950), de Akira Kurosawa. A comparação é por conta do jogo de pontos de vista na construção narrativa desenvolvida por Yûji Sakamoto, ganhador do prêmio de Melhor Roteiro na Competição.

O passo inicial é a perspectiva da mãe Saori (Sakura Ando), convencida da agressão de um dos professores da escola a seu filho Minato. Em seguida, o enredo passa pela visão do professor acusado Hori (Eita Nagayama). O terceiro ato é realizado pela ótica dos jovens estudantes, Eri (Hinata Hiiragi) e Minato (Soya Kurokawa). Dessa forma, Monster constrói um precioso drama com toques de suspense. 

Apesar da história envolver os acontecimentos na vida do pré-adolecente Minato, os percursos traçados pela inteligente narrativa estão sempre sob o olhar do outro. Apenas no final, as ações de Minato ganham sentido tanto para o espectador quanto para ele mesmo. Os diálogos caprichados são sensores de nosso comportamento social entre escuta, repetição e recepção. A cada etapa os discursos ganham origens e indicações difusas e, dessa maneira, singelos detalhes podem desvendar intrincados enigmas.

Monster também tem lampejos em obras memoráveis, como o mistério de Rosebud no clássico Cidadão Kane (1941), de Orson Welles. O monstro do título aparece de várias facetas durante todas as narrativas, mas qual é o real sentimento dele para os seus protagonistas? Os espectadores poderão construir seu próprio significado ou se deixar levar no labirinto desses relatos em um jogo de adivinhação e persuasão através do discurso.

O começo e a junção dos fatos é um incêndio em um bar em um alto prédio da cidade, o qual Saori e o Minato olham entusiasmado do balcão do seu apartamento. A partir dessa noite, o comportamento do filho pré-adolecente começa a aparentar certa estranheza. A mãe encontra tufos de cabelo no chão do banheiro, um pé de tênis desaparece e marcas de agressão surgem no corpo do menino. 

Até que um dia, ela o encontro sozinho dentro de um túnel escuro e ele acaba por saltar do carro em movimento. Paulatinamente Saori imagina que seu filho desistiu da vida e está em sofrimento. Sem palavras para descrever seus sentimentos, o adolescente verbaliza que ele tem “cérebro de porco”. “Quem lhe disse isso?” — indaga a mãe desesperada. Sob pressão, suas palavras acusam o professor Hori. Em um tom, por vezes, aflitivo e, às vezes, cômico, acompanhamos a luta da mãe solo para encontrar uma punição ao educador transgressor. 

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Dessa maneira, entra em cena a diretora da escola Fushimi (Yûko Tanaka) e a sua frieza entre o assédio sofrido pelo aluno e o desenganado professor da instituição. Ao redor desses acontecimentos, Monster faz um contorno em 360° em cada meandro, colocando em evidências as vulnerabilidades de cada uma das pessoas em questão e suas capacidades de ver apenas uma parte da história, igual a todo mundo na vida.

O personagem mais adorável de todos esse tormento é o amável e gracioso Eri. Mais baixo que os outros meninos da sua turma e portador de uma delicadeza ímpar, ele incomoda a masculinidade frágil — mesmo que em construção — dos outros meninos. O maior perigo, no entanto, habita na sua própria casa: o pai e a sua vergonha. Para o progenitor, o filho é uma desonra numa sociedade em que dita comportamentos e condena desvios da norma estabelecida por ela mesma. 

No terceiro e último ato do filme, o roteiro de Yûji Sakamoto nos coloca em confronto com todas as nossas sensações até ali. Ganhador da Palma de Ouro por Assunto de Família (2018), Hirokazu Kore-eda constrói uma beleza contemplativa dentro do universo paralelo criado pelos dois meninos em seu intricado jogo de esconde-esconde, no qual sentimentos velados causam pontos de ebulição e momentos de tensão. 

Assim como o impressionante Close (2022), de Lukas Dhont, Monster discursa sobre as consequências negativas de quando sentimentos são sufocados em busca de uma ordem social baseada na hipocrisia de seus próprios julgadores. O único pecado de Monster é facilitar as conexões entre os pontos para os personagens descortinarem o real rosto do monstro. 

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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