Amar é uma aposta constante. Amamos confiando, acreditando, querendo, aceitando, desejando. Quando estamos só, queremos encontrar alguém; quando estamos com alguém, queremos garantias de que será para sempre. Para tentar dar corpo a essas questões tão subjetivas, as sociedades encontram soluções como os casamentos, os papéis assinados, as alianças, os rituais culturais, as tatuagens, os direitos civis e um tanto de outras alternativas para que o “para sempre” realmente seja infinito, não importa o que aconteça com o passar dos anos. Se por um lado encontrou-se símbolos e documentos que de alguma forma conseguem eternizar uma relação, por outro é impossível eternizar um sentimento de modo que ele nunca mude. Dessa inquietação vem o mote de ‘Na Ponta dos Dedos’, filme de romance dramático com uma pontada de ficção científica que estreou recentemente na Apple TV+ e que teve a exibição durante a 47ª Mostra de Cinema de São Paulo.
Anna (Jessie Buckley) está procurando emprego. Tendo passado anos trabalhando em uma escola para crianças, é esse tipo de trabalho que ela anda buscando enquanto vive harmoniosamente bem com o seu companheiro, Ryan (Jeremy Allen White, com o mesmo casaco de ‘O Urso’) em um aconchegante apartamento. Tempos atrás os dois, ao começarem a se relacionar, realizaram o teste de compatibilidade em uma empresa especializada no procedimento. Uma vez que deram 100% de compatibilidade, o relacionamento dos dois se tornou estável e confiável, embora monótono e repetitivo. Quando Anna consegue um emprego na empresa que realiza esses testes, dúvidas começam a surgir em sua cabeça sobre a eficácia do procedimento, principalmente quando passa a trabalhar com Amir (Riz Ahmed) e quando descobre que o dono da empresa, Duncan (Luke Wilson), terminara seu casamento de anos ao realizar o teste com sua antiga esposa.
‘Na Ponta dos Dedos’ tem uma construção curiosa e, de certa forma, até experimental. A história não tem um tempo definido, mas observa-se certos elementos que não condizem com os anos 2000 em diante, como a ausência de celulares e a própria máquina de realizar o teste, totalmente analógica e com um aspecto de computador Pense Bem. Gravado com uma lente laranja, que traz um aspecto retrô para o longa, o filme de Christos Nikou vai contando a história até que, em determinado ponto, quando a dúvida fica evidente no coração da protagonista, o longa apresenta aquelas manchas típicas de película queimada, e tudo acontece tão rapidamente, que deixa o espectador em dúvida do que aconteceu. Essa técnica se repete em um outro momento crucial, o que reforça a concepção estética de filme antigo, embora saibamos que não seja.
Partindo do subgênero do romance dramático, o roteiro de Christos Nikou, Sam Steiner e Stavros Raptis insere um argumento de ficção científica (o teste do amor realizado em uma máquina que define o futuro, cujo resultado as pessoas acreditam cegamente) com um toque de terror, uma vez que, para realizar o teste, é preciso arrancar uma unha da pessoa – cenas que quebram totalmente a fofura do romance que vem sendo construindo ao longo da trama.
‘Na Ponta dos Dedos’ é um filme diferentão que mistura gêneros e cujo final deixa um sabor agridoce reflexivo no espectador. Um filme para ver e pensar no quanto as garantias, no final das contas, são apenas formas que encontramos para tentar controlar o incontrolável.