domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | ‘Não Olhe para Cima’ é uma sátira sci-fi extremamente bizarra e divertida

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A indústria cinematográfica hollywoodiana tem um apreço inestimável pelo gênero da ficção científica – e para o subgênero dos filmes de desastre. Apenas neste século, títulos como ‘Destruição Final – O Último Refúgio’, ‘O Dia Depois de Amanhã’ e ‘2012’ dominaram os cinemas e caíram no gosto do público, ainda que nem sempre tenham funcionado. E, agora, chegou a hora do diretor Adam McKay, responsável pelos aclamados títulos Vice e A Grande Aposta, fornecer sua própria perspectiva ao gênero supracitado com a sátira sci-fi Não Olhe para Cima.

O ambicioso projeto é centrado em dois astrônomos chamados Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) e Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) que descobrem um perigoso meteoro a caminho da Terra – e com potencial de destruição gigantesca. Em uma corrida para alertar as autoridades responsáveis, Randall e Kate enfrentam um controverso negacionismo por parte da presidente dos Estados Unidos, Janie Orlean (Meryl Streep), a superficialidade da mídia mainstream e o levante inexplicável de pessoas que simplesmente escolheram não acreditar na destruição iminente. E, apesar de alguns solavancos espalhados pela longa produção (que quase esbarra nas duas horas e meia de duração), o resultado é divertido, bizarro e sincronizado com a proposta que adota desde os minutos de abertura.



DON’T LOOK UP (L to R) CATE BLANCHETT as BRIE EVANTEE, TYLER PERRY as JACK BREMMER, LEONARDO DICAPRIO as DR. RANDALL MINDY, JENNIFER LAWRENCE as KATE DIBIASKY, Cr. NIKO TAVERNISE/NETFLIX © 2021

McKay tem um estilo bastante peculiar e único de conduzir suas obras e não pensa duas vezes antes de reestruturar as fórmulas do cinema contemporâneo. Desde A Grande Aposta, o realizador arquitetou uma técnica de condução que amalgamava ficção e realidade em uma espécie de documentário desconstruído, guiado pela brusca montagem e pela superposição de imagens a fim de alcançar um objetivo – e é claro que ele faria a mesma coisa com Não Olhe para Cima. O principal objeto de estudo são os personagens e como cada um deles é condicionado ao tipo social que representa: temos a representante política vivida majestosamente por Streep (em uma ironia simbólica à figura retrógrada e nepotista do ex-presidente Donald Trump); o sensacionalismo midiático traduzido pela presença dos apresentadores Brie Evantee (Cate Blanchett) e Jack Bremmer (Tyler Perry); a ultra-exaltação da vida privada de personalidades, como o relacionamento entre Riley Bina (Ariana Grande) e DJ Chello (Kid Cudi); e muitos outros.

A principal crítica vem com a sarcástica análise do capitalismo predatório e da falsa sensação de que o povo é respaldado por aqueles que elegem como governantes. Enquanto os personagens de DiCaprio e Lawrence lutam por levar a verdade às pessoas, questões mais complexas os impedem de alertar a população – em suma, causar pânico não é lucrativo para a enorme empreitada enterrada no cerne do governo estadunidense e de todos os atores que fazem parte dessa gigantesca companhia. Janie só percebe que precisa agir quando sua campanha é ameaçada e quando precisa recuperar a confiança de seu corpo eleitoral para garantir mais um mandato. A mascarada preocupação é reflexo de uma desconfiança incompreensível em relação à ciência, como se opiniões infundadas fossem o suficiente para refutar a credibilidade de especialistas.

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DON’T LOOK UP, MERYL STREEP as PRESIDENT JANIE ORLEAN. Cr. NIKO TAVERNISE/NETFLIX © 2021

Assim como Kate e Randall, os espectadores que compram a história vendida por McKay são transportados em uma montanha-russa de indignação e resignação frente a forças que não podem controlar – tema de pertinência assustadora para o que enfrentamos na atualidade. Em meio a tantas fake news acerca da vacinação e do trabalho dos profissionais de saúde, que variam desde mentiras sobre efeitos colaterais até ataques às minorias sociais, o diretor e roteirista eleva essa imbecilidade coletiva à quadragésima potência, delineando diálogos escrachados que entram em conflito com o drama trágico que se esconde nas entrelinhas. Até mesmo o ex-namorado de Kate diminui sua frustração e a trata como uma pessoa histérica e que não tem ideia do que está falando.

O peso jocoso pode ser turbulento – e esse é o principal problema enfrentado pelo longa-metragem. Além da temática mencionada nos parágrafos acima, McKay faz inflexões pontuais acerca da disparidade de gênero e de gaslighting, ou então do cerceamento de expressão e do patriotismo exacerbado (visto com o personagem de Ron Pearlman, Benedict Drask). Eventualmente, as subtramas parecem aglutinada em uma tentativa desesperada em contar tudo ao mesmo tempo e, no final das contas, não conseguir explorar as múltiplas mensagens que despontam na produção. As possibilidades existem, mas talvez uma cautela maior com a edição e com a seleção dos enredos deixaria o filme um tanto quanto mais leve e ainda mais divertido do que já é.

DON’T LOOK UP, JENNIFER LAWRENCE as KATE DIBIASKY. Cr. NIKO TAVERNISE/NETFLIX © 2021

Enquanto algumas escolhas técnicas e estéticas podem não ser do agrado de parte do público, Não Olhe para Cima configura-se como uma aventura muito aprazível e que lança uma luz angustiante sobre o futuro da própria humanidade – não em relação à ameaça de um cometa com potencial aniquilador, mas sim numa segregação que é movida pela falta de fé na ciência e pela ambição desmedida. Com atuações avassaladoras e uma sensação desoladora que nos acompanha até os créditos finais, o novo longa da Netflix é uma declaração mórbida e elevada de que, às vezes, é mais fácil aceitar o destino do que lutar contra ele.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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A indústria cinematográfica hollywoodiana tem um apreço inestimável pelo gênero da ficção científica – e para o subgênero dos filmes de desastre. Apenas neste século, títulos como ‘Destruição Final – O Último Refúgio’, ‘O Dia Depois de Amanhã’ e ‘2012’ dominaram os cinemas e caíram no gosto do público, ainda que nem sempre tenham funcionado. E, agora, chegou a hora do diretor Adam McKay, responsável pelos aclamados títulos Vice e A Grande Aposta, fornecer sua própria perspectiva ao gênero supracitado com a sátira sci-fi Não Olhe para Cima.

O ambicioso projeto é centrado em dois astrônomos chamados Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) e Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) que descobrem um perigoso meteoro a caminho da Terra – e com potencial de destruição gigantesca. Em uma corrida para alertar as autoridades responsáveis, Randall e Kate enfrentam um controverso negacionismo por parte da presidente dos Estados Unidos, Janie Orlean (Meryl Streep), a superficialidade da mídia mainstream e o levante inexplicável de pessoas que simplesmente escolheram não acreditar na destruição iminente. E, apesar de alguns solavancos espalhados pela longa produção (que quase esbarra nas duas horas e meia de duração), o resultado é divertido, bizarro e sincronizado com a proposta que adota desde os minutos de abertura.

DON’T LOOK UP (L to R) CATE BLANCHETT as BRIE EVANTEE, TYLER PERRY as JACK BREMMER, LEONARDO DICAPRIO as DR. RANDALL MINDY, JENNIFER LAWRENCE as KATE DIBIASKY, Cr. NIKO TAVERNISE/NETFLIX © 2021

McKay tem um estilo bastante peculiar e único de conduzir suas obras e não pensa duas vezes antes de reestruturar as fórmulas do cinema contemporâneo. Desde A Grande Aposta, o realizador arquitetou uma técnica de condução que amalgamava ficção e realidade em uma espécie de documentário desconstruído, guiado pela brusca montagem e pela superposição de imagens a fim de alcançar um objetivo – e é claro que ele faria a mesma coisa com Não Olhe para Cima. O principal objeto de estudo são os personagens e como cada um deles é condicionado ao tipo social que representa: temos a representante política vivida majestosamente por Streep (em uma ironia simbólica à figura retrógrada e nepotista do ex-presidente Donald Trump); o sensacionalismo midiático traduzido pela presença dos apresentadores Brie Evantee (Cate Blanchett) e Jack Bremmer (Tyler Perry); a ultra-exaltação da vida privada de personalidades, como o relacionamento entre Riley Bina (Ariana Grande) e DJ Chello (Kid Cudi); e muitos outros.

A principal crítica vem com a sarcástica análise do capitalismo predatório e da falsa sensação de que o povo é respaldado por aqueles que elegem como governantes. Enquanto os personagens de DiCaprio e Lawrence lutam por levar a verdade às pessoas, questões mais complexas os impedem de alertar a população – em suma, causar pânico não é lucrativo para a enorme empreitada enterrada no cerne do governo estadunidense e de todos os atores que fazem parte dessa gigantesca companhia. Janie só percebe que precisa agir quando sua campanha é ameaçada e quando precisa recuperar a confiança de seu corpo eleitoral para garantir mais um mandato. A mascarada preocupação é reflexo de uma desconfiança incompreensível em relação à ciência, como se opiniões infundadas fossem o suficiente para refutar a credibilidade de especialistas.

DON’T LOOK UP, MERYL STREEP as PRESIDENT JANIE ORLEAN. Cr. NIKO TAVERNISE/NETFLIX © 2021

Assim como Kate e Randall, os espectadores que compram a história vendida por McKay são transportados em uma montanha-russa de indignação e resignação frente a forças que não podem controlar – tema de pertinência assustadora para o que enfrentamos na atualidade. Em meio a tantas fake news acerca da vacinação e do trabalho dos profissionais de saúde, que variam desde mentiras sobre efeitos colaterais até ataques às minorias sociais, o diretor e roteirista eleva essa imbecilidade coletiva à quadragésima potência, delineando diálogos escrachados que entram em conflito com o drama trágico que se esconde nas entrelinhas. Até mesmo o ex-namorado de Kate diminui sua frustração e a trata como uma pessoa histérica e que não tem ideia do que está falando.

O peso jocoso pode ser turbulento – e esse é o principal problema enfrentado pelo longa-metragem. Além da temática mencionada nos parágrafos acima, McKay faz inflexões pontuais acerca da disparidade de gênero e de gaslighting, ou então do cerceamento de expressão e do patriotismo exacerbado (visto com o personagem de Ron Pearlman, Benedict Drask). Eventualmente, as subtramas parecem aglutinada em uma tentativa desesperada em contar tudo ao mesmo tempo e, no final das contas, não conseguir explorar as múltiplas mensagens que despontam na produção. As possibilidades existem, mas talvez uma cautela maior com a edição e com a seleção dos enredos deixaria o filme um tanto quanto mais leve e ainda mais divertido do que já é.

DON’T LOOK UP, JENNIFER LAWRENCE as KATE DIBIASKY. Cr. NIKO TAVERNISE/NETFLIX © 2021

Enquanto algumas escolhas técnicas e estéticas podem não ser do agrado de parte do público, Não Olhe para Cima configura-se como uma aventura muito aprazível e que lança uma luz angustiante sobre o futuro da própria humanidade – não em relação à ameaça de um cometa com potencial aniquilador, mas sim numa segregação que é movida pela falta de fé na ciência e pela ambição desmedida. Com atuações avassaladoras e uma sensação desoladora que nos acompanha até os créditos finais, o novo longa da Netflix é uma declaração mórbida e elevada de que, às vezes, é mais fácil aceitar o destino do que lutar contra ele.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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