A vida imita a arte, mas, com muito mais frequência, a arte imita a vida. Cedo ou tarde, as melhores imaginações dos roteiristas podem ganhar vida na nossa realidade, uma vez que o ser humano, as máquinas, as tecnologias estão sempre se superando. Especificamente dos anos 2000 para cá, a intensidade da combinação desses três elementos tem sido cada vez mais perigosa, beirando a dependência, a substituição, o vício. Sobre essa perspectiva, chegou recentemente à Netflix a comédia espanhola ‘Não Posso Viver Sem Você’, que se manteve firme no Top 10 na sua semana de estreia, mas que agora, com a suspensão da plataforma X no território brasileiro, acaba fazendo muito mais sentido.
Carlos (Adrián Suar) é um workaholic total. Desde o momento em que acorda até o momento em que vai dormir, ele fica totalmente dependente do celular, sempre buscando carregar sua bateria e checando as mensagens de cinco em cinco segundos. Sua esposa, Adela (Paz Vega, de ‘Espanglês’), já está perdendo a paciência com o marido, uma vez que constantemente ele perde compromissos ou se distrai durante os eventos por causa do celular. Mas tudo que Carlos tem tentado é conseguir uma promoção no seu emprego e se tornar sócio da empresa, só que, para isso, tem que comprar um aparelho de última geração e ficar trabalhando escondido nos finais de semana. Quando Adela decide deixá-lo por causa de tudo isso, Carlos terá que repensar as prioridades de sua vida e tentará se encontrar numa reabilitação para pessoas viciadas em celular.
Para além da crítica social, ‘Não Posso Viver Sem Você’, hoje, vai além do entretenimento, dada as circunstâncias que o país está passado por causa da suspensão do antigo Twitter. Com milhares de pessoas sem conseguir acessar a rede e sentindo falta da plataforma, esse sentimento de abstinência repentina é justamente pelo que o protagonista Carlos passa, tentando se desconectar do celular e do estilo de vida que se ancora na internet.
Os roteiristas José Gabriel Lorenzo e Santiago Requejo fazem uma boa escolha ao optar pela comédia para servir como pano de fundo do filme que busca alertar sobre os males da vida cibernética se sobrepondo à vida real. Para isso, claro, acabam escolhendo situações bem exageradas para que o protagonista passe por tudo de maneira bem gráfica, indo ao fundo do poço para que o espectador possa entender a mensagem de maneira clara.
Santiago Requejo também dirige o longa, e, nesse ponto talvez, sim, pudesse ter feito algumas escolhas diferentes. Há cenas desproporcionalmente longas (como a da corrida de rua) em oposição à resolução do enredo, que acontece meio corrido. Essa irregularidade, junto com o abismo que há entre o protagonista e sua família, acabam fazendo com que o filme tenha ritmos diferentes.
Bem-intencionado com um importante alerta aos riscos que corremos ao nos mantermos tão sempre dispostos ao trabalho, renunciando à nossas próprias vidas, ‘Não Posso Viver Sem Você’ é uma comédia que critica o comportamento social contemporâneo, mas, sem trazer muitas soluções, fica como uma boa ideia que só entretém mesmo.