domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | Não Vamos Pagar Nada – Comédia com Samantha Schmütz reflete a Realidade Brasileira

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Parece redundante dizer que uma comédia nacional reflete a realidade brasileira, mas, para sermos sinceros, ‘Não Vamos Pagar Nada’ é um filme que realmente conseguiu antecipar (ainda que estivesse resgatando a terrível inflação dos anos 1990) a realidade que a população brasileira viria a viver nesse segundo semestre de 2020: a alta dos preços, o desemprego e a fome.



Tudo começa quando Antônia (Samantha Schmütz) vai ao mercado fazer as compras da semana para sua casa, porém, ao chegar lá se depara não só com preços abusivos nos produtos, como também encontra um funcionário (Criolo) prestes a remarcar os preços novamente. Revoltadíssima com toda essa situação, Antônia começa a reclamar em voz alta dos preços abusivos – o que incita a revolta das demais mulheres no mercado e, num ato de desatino, elas simplesmente saqueiam o local. Só que o marido de Antônia, João (Edmilson Filho), é um homem muuuuito honesto e não vai aceitar comida saqueada em casa, então, Antônia e sua melhor amiga, Margarida (Flávia Reis), decidem esconder as compras – parte embaixo da cama, parte numa barriga falsa de grávida que Margarida passa a carregar pra cima e pra baixo. Porém, a polícia está no bairro atrás dos produtos saqueados, e as duas vão ter que se virar para conseguir usufruir dos alimentos conquistados.

Baseado na peça italiana criada por Dario Fo, o roteiro de Renato Fagundes parte de algo com o qual os países em desenvolvimento podem se relacionar: o baixo poder aquisitivo das classes mais pobres, que entra em choque com a ambição capitalista dos empresários. E, embora a história original seja italiana, ela se encaixa bem no contexto brasileiro, principalmente esse ano, em que estamos sofrendo todos com a alta do preço do saco de arroz, do óleo e do feijão – itens essenciais da cesta básica.

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Numa pegada bem teatral, o roteiro busca soluções típicas brasileiras para resolver certos conflitos que ocorrem na trama, encontrando espaço para inserir elementos que fazem parte desse núcleo populacional: os conjuntos habitacionais, os bicheiros, a milícia, etc. Algumas piadas funcionam genuinamente (como a da Santa Eulália), outras (como a situação da gravidez) se estendem um pouco por demais na trama, dando uma cansada. Mas o mais legal mesmo do roteiro é não se limitar à comédia, pois insere evidentes referências à clássicos do terror contextualizados nas situações do cotidiano – afinal, que terror pior do que estar no mercado e quererem remarcar os preços dos produtos?

O elenco tem sintonia e interage com fluidez, embora Leandro Soares pareça deslocado em cena. Samantha Schmütz entrega a personagem criativa e escandalosa que tanto faz sucesso com o público e demonstra enorme capacidade de proferir longos blocos de falas initerruptamente e com muita rapidez. Mérito também de João Fonseca, que, em sua estreia na direção de longas-metragens, conseguiu transpor pras telonas o formato de sucesso de ‘A Vila’ e ‘Vai Que Cola’, os quais também foram dirigidos por ele.

Com um argumento de comédia, ‘Não Vamos Pagar Nada’ faz uma importante crítica social que ainda deixa no final um gostinho amargo na boca, com a música ‘Gente’, de Caetano Veloso. Afinal, tanto a música quanto o filme estão certos em dizer que “gente nasceu pra brilhar, não pra morrer de fome”.

O filme estreia no próximo sábado, 10/10, às 22hs na rede Telecine.

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Janda Montenegrohttp://cinepop.com.br
Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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Parece redundante dizer que uma comédia nacional reflete a realidade brasileira, mas, para sermos sinceros, ‘Não Vamos Pagar Nada’ é um filme que realmente conseguiu antecipar (ainda que estivesse resgatando a terrível inflação dos anos 1990) a realidade que a população brasileira viria a viver nesse segundo semestre de 2020: a alta dos preços, o desemprego e a fome.

Tudo começa quando Antônia (Samantha Schmütz) vai ao mercado fazer as compras da semana para sua casa, porém, ao chegar lá se depara não só com preços abusivos nos produtos, como também encontra um funcionário (Criolo) prestes a remarcar os preços novamente. Revoltadíssima com toda essa situação, Antônia começa a reclamar em voz alta dos preços abusivos – o que incita a revolta das demais mulheres no mercado e, num ato de desatino, elas simplesmente saqueiam o local. Só que o marido de Antônia, João (Edmilson Filho), é um homem muuuuito honesto e não vai aceitar comida saqueada em casa, então, Antônia e sua melhor amiga, Margarida (Flávia Reis), decidem esconder as compras – parte embaixo da cama, parte numa barriga falsa de grávida que Margarida passa a carregar pra cima e pra baixo. Porém, a polícia está no bairro atrás dos produtos saqueados, e as duas vão ter que se virar para conseguir usufruir dos alimentos conquistados.

Baseado na peça italiana criada por Dario Fo, o roteiro de Renato Fagundes parte de algo com o qual os países em desenvolvimento podem se relacionar: o baixo poder aquisitivo das classes mais pobres, que entra em choque com a ambição capitalista dos empresários. E, embora a história original seja italiana, ela se encaixa bem no contexto brasileiro, principalmente esse ano, em que estamos sofrendo todos com a alta do preço do saco de arroz, do óleo e do feijão – itens essenciais da cesta básica.

Numa pegada bem teatral, o roteiro busca soluções típicas brasileiras para resolver certos conflitos que ocorrem na trama, encontrando espaço para inserir elementos que fazem parte desse núcleo populacional: os conjuntos habitacionais, os bicheiros, a milícia, etc. Algumas piadas funcionam genuinamente (como a da Santa Eulália), outras (como a situação da gravidez) se estendem um pouco por demais na trama, dando uma cansada. Mas o mais legal mesmo do roteiro é não se limitar à comédia, pois insere evidentes referências à clássicos do terror contextualizados nas situações do cotidiano – afinal, que terror pior do que estar no mercado e quererem remarcar os preços dos produtos?

O elenco tem sintonia e interage com fluidez, embora Leandro Soares pareça deslocado em cena. Samantha Schmütz entrega a personagem criativa e escandalosa que tanto faz sucesso com o público e demonstra enorme capacidade de proferir longos blocos de falas initerruptamente e com muita rapidez. Mérito também de João Fonseca, que, em sua estreia na direção de longas-metragens, conseguiu transpor pras telonas o formato de sucesso de ‘A Vila’ e ‘Vai Que Cola’, os quais também foram dirigidos por ele.

Com um argumento de comédia, ‘Não Vamos Pagar Nada’ faz uma importante crítica social que ainda deixa no final um gostinho amargo na boca, com a música ‘Gente’, de Caetano Veloso. Afinal, tanto a música quanto o filme estão certos em dizer que “gente nasceu pra brilhar, não pra morrer de fome”.

O filme estreia no próximo sábado, 10/10, às 22hs na rede Telecine.

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