domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica Netflix | Democracia em Vertigem é uma obra poética sobre os sombrios tempos da política brasileira

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Com uma narração em voz melodiosa diante dos mais inquietantes acontecimento durante duas horas de ‘Democracia em Vertigem’, Petra Costa consegue construir poesia sobre os últimos atormentados anos da política brasileira. Ao mesclar sua experiência de vida com os acontecimentos do país, a cineasta apresenta um documentário intimista, tal como uma voz amiga a contar-nos sobre fatos e suas percepções em um emaranhado de intrigas e manipulações.

Por conta da escolha de se colocar na história, o documentário de Petra soa avante às outras obras produzidas sobre o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a prisão do ex-presidente Lula, como ‘Excelentíssimos (2018) e ‘O Processo (2018). Dentro da história, a diretora, roteirista e produtora levanta o ponto de encontro do seu processo de construção: “Eu e a democracia brasileira temos quase a mesma idade” e completa “eu achava que em nossos 30 e poucos anos estaríamos pisando em terra firme”.



Esta ponte é soldada intensamente durante toda a narrativa. Desde momentos em que a diretora menciona ser de uma família privilegiada, uma vez que o seu avô é um dos fundadores da empreiteira Andrade Gutierrez  (envolvida no esquema de corrupção do Mensalão), assim como os seus pais tornaram-se refugiados políticos durantes os anos de ditadura militar, e o nome “Petra” lhe foi dado em homenagem a um amigo dos seus progenitores, morto durante o período.

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Com os pés em dois lados, a diretora consegue se inserir e mostrar sua esperança e idealização, atendo-se às suas crenças e temperanças, mas apresentando todos os contornos da história. Com o começo focado no dia da sentença de prisão proferida contra Lula, ‘Democracia em Vertigem’ segue a trajetória do homem que conseguiu mudar e mobilizar multidões por meio de determinação e voz.

A partir de imagens de Lula as 33 anos, ainda como líder sindical, vemos o político nato fazer o seu discurso aos trabalhadores e acender a chama de uma transformação possível. Ao invés de rebelar-se contra o poder político, aquele homem decide fazer política e funda um partido – o PT – em 1980.

Deste ponto, Petra mostra as tentativas e fracassos de Lula ao longo dos anos até a sua vitória triunfante – a partir da sua mudança de discurso e as suas alianças políticas.

De maneira linear, o documentário segue os fatos que levaram o país da euforia pela vitória do “líder do povo” até a eleição do extremista e apoiador da tortura 16 anos depois. Todos os detalhes do desenvolvimento econômico brasileiro, alavancados com o programa social do Bolsa Família mais o descobrimento do Pré-Sal estão relatados de forma coerente e marcada pela sua repercussão futura.

Além da câmera sempre perto das figuras de Lula e Dilma, principalmente nos momentos mais pungentes dos últimos acontecimentos políticos, Petra da voz as pessoas nas ruas, aos membros do congresso e o atual presidente Jair Bolsonaro. De forma a conectar todos os pontos do jogo, ou melhor, do plano montado para mostrar como a democracia brasileira segue em corda bamba.

Embora o longa termine antes dos vazamentos das conversas do então Juiz Federal e atual Ministro da Defesa Sérgio Moro com o procurador Deltan Dallagnol, todos os fatos se conectam perfeitamente com a manipulação causada durante todo o processo do ano de 2017.

Por meio de uma sequência de capas de revistas nacionais e internacionais, a cineasta estabelece como o discurso midiático transformou a imagem de Dilma Rousseff perante a opinião pública e, consequentemente, corroborou com os planos do alto escalão. Tal como o Caso de Watergate, o documentário apresenta os grampos entre vários personagens envolvidos na Operação Lava-Jato, destacando as passagens mais sórdidas para que lembremos que o que ocorre atualmente é apenas produto do passado.

Com imagens de arquivo pessoal e depoimentos inéditos, ‘Democracia em Vertigem’ atém-se a questionar como o nosso regime democrático está debilitado. A inversão da voz suave de Pedra Costa e suas imagens do Palácio do Planalto vazio na escuridão permite à obra transmitir a sensação de leveza apesar de mostrar totalmente o oposto diante da conjuntura dos fatos apresentados.

Como o desfazer de um conto de fadas, se um por lado pessoas agradecem ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva pelas oportunidades alcançadas, por outro o som dessa vozes é silenciado pelos barulhos da bater de panelas e gritos enraivecidos de “Fora PT”. Ao ponto que Petra reflete que talvez a democracia brasileira tenha sido “um sonho efêmero” e analisa as imagens da posse da Dilma Rousseff em 2011, ao lado de Michel Temer, como uma detalhada aula de semiótica.

Ao explorar os meandros futuros àquela cena, ela sentencia: “esta não é apenas uma história de traição”, com sua sofisticada e tenaz dicção, e termina “esta é uma história de como a própria democracia desmoronou”. Para além da capacidade de Petra em se apropriar da história, vide seus vibrantes trabalhos anterior ‘Elena (2012) e ‘Olmo e a Gaivota (2015) – seguindo a escola de Agnés Varda (‘Visages Villages) -, ela apresenta uma obra-prima delicada e envolvente sobre o difícil panorama brasileiro.

Com o poder dos discursos de Lula permeando todo arcabouço da produção, as intervenções da autora resplandece como uma rubrica de autenticidade de como essa obra se inscreve na história. Como Lula pronuncia a milhares de rostos esperançosos: “a oposição pode matar 100 rosas, mas ela não vai impedir a primavera de chegar”. O maniqueísmo não tem vez em ‘Democracia em Vertigem’, a obra se posiciona e entrega ao público um discurso bucólico sobre o Brasil que fomos e aquele que poderemos ver surgir depois das cinzas.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Por conta da escolha de se colocar na história, o documentário de Petra soa avante às outras obras produzidas sobre o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a prisão do ex-presidente Lula, como ‘Excelentíssimos (2018) e ‘O Processo (2018). Dentro da história, a diretora, roteirista e produtora levanta o ponto de encontro do seu processo de construção: “Eu e a democracia brasileira temos quase a mesma idade” e completa “eu achava que em nossos 30 e poucos anos estaríamos pisando em terra firme”.

Esta ponte é soldada intensamente durante toda a narrativa. Desde momentos em que a diretora menciona ser de uma família privilegiada, uma vez que o seu avô é um dos fundadores da empreiteira Andrade Gutierrez  (envolvida no esquema de corrupção do Mensalão), assim como os seus pais tornaram-se refugiados políticos durantes os anos de ditadura militar, e o nome “Petra” lhe foi dado em homenagem a um amigo dos seus progenitores, morto durante o período.

Com os pés em dois lados, a diretora consegue se inserir e mostrar sua esperança e idealização, atendo-se às suas crenças e temperanças, mas apresentando todos os contornos da história. Com o começo focado no dia da sentença de prisão proferida contra Lula, ‘Democracia em Vertigem’ segue a trajetória do homem que conseguiu mudar e mobilizar multidões por meio de determinação e voz.

A partir de imagens de Lula as 33 anos, ainda como líder sindical, vemos o político nato fazer o seu discurso aos trabalhadores e acender a chama de uma transformação possível. Ao invés de rebelar-se contra o poder político, aquele homem decide fazer política e funda um partido – o PT – em 1980.

Deste ponto, Petra mostra as tentativas e fracassos de Lula ao longo dos anos até a sua vitória triunfante – a partir da sua mudança de discurso e as suas alianças políticas.

De maneira linear, o documentário segue os fatos que levaram o país da euforia pela vitória do “líder do povo” até a eleição do extremista e apoiador da tortura 16 anos depois. Todos os detalhes do desenvolvimento econômico brasileiro, alavancados com o programa social do Bolsa Família mais o descobrimento do Pré-Sal estão relatados de forma coerente e marcada pela sua repercussão futura.

Além da câmera sempre perto das figuras de Lula e Dilma, principalmente nos momentos mais pungentes dos últimos acontecimentos políticos, Petra da voz as pessoas nas ruas, aos membros do congresso e o atual presidente Jair Bolsonaro. De forma a conectar todos os pontos do jogo, ou melhor, do plano montado para mostrar como a democracia brasileira segue em corda bamba.

Embora o longa termine antes dos vazamentos das conversas do então Juiz Federal e atual Ministro da Defesa Sérgio Moro com o procurador Deltan Dallagnol, todos os fatos se conectam perfeitamente com a manipulação causada durante todo o processo do ano de 2017.

Por meio de uma sequência de capas de revistas nacionais e internacionais, a cineasta estabelece como o discurso midiático transformou a imagem de Dilma Rousseff perante a opinião pública e, consequentemente, corroborou com os planos do alto escalão. Tal como o Caso de Watergate, o documentário apresenta os grampos entre vários personagens envolvidos na Operação Lava-Jato, destacando as passagens mais sórdidas para que lembremos que o que ocorre atualmente é apenas produto do passado.

Com imagens de arquivo pessoal e depoimentos inéditos, ‘Democracia em Vertigem’ atém-se a questionar como o nosso regime democrático está debilitado. A inversão da voz suave de Pedra Costa e suas imagens do Palácio do Planalto vazio na escuridão permite à obra transmitir a sensação de leveza apesar de mostrar totalmente o oposto diante da conjuntura dos fatos apresentados.

Como o desfazer de um conto de fadas, se um por lado pessoas agradecem ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva pelas oportunidades alcançadas, por outro o som dessa vozes é silenciado pelos barulhos da bater de panelas e gritos enraivecidos de “Fora PT”. Ao ponto que Petra reflete que talvez a democracia brasileira tenha sido “um sonho efêmero” e analisa as imagens da posse da Dilma Rousseff em 2011, ao lado de Michel Temer, como uma detalhada aula de semiótica.

Ao explorar os meandros futuros àquela cena, ela sentencia: “esta não é apenas uma história de traição”, com sua sofisticada e tenaz dicção, e termina “esta é uma história de como a própria democracia desmoronou”. Para além da capacidade de Petra em se apropriar da história, vide seus vibrantes trabalhos anterior ‘Elena (2012) e ‘Olmo e a Gaivota (2015) – seguindo a escola de Agnés Varda (‘Visages Villages) -, ela apresenta uma obra-prima delicada e envolvente sobre o difícil panorama brasileiro.

Com o poder dos discursos de Lula permeando todo arcabouço da produção, as intervenções da autora resplandece como uma rubrica de autenticidade de como essa obra se inscreve na história. Como Lula pronuncia a milhares de rostos esperançosos: “a oposição pode matar 100 rosas, mas ela não vai impedir a primavera de chegar”. O maniqueísmo não tem vez em ‘Democracia em Vertigem’, a obra se posiciona e entrega ao público um discurso bucólico sobre o Brasil que fomos e aquele que poderemos ver surgir depois das cinzas.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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