Lançada em 2018, a autobiografia da ex-primeira dama dos Estados Unidos, Michelle Obama, tornou-se um best-seller em poucos dias. Traduzido em 24 idiomas, a obra já alcançou 10 milhões de cópias vendidas. Apesar do documentário não discutir esses aspectos de venda, Minha História (Becoming) acompanha a turnê promocional do livro por 34 cidades norte-americanas e o impacto da voz de Michelle sob a perspectiva dos seus leitores.
Longe de tornar-se pessoal, tal como o grande público gostaria, a produção da Netflix lança um olhar para a repercussão das palavras, ideias e postura de Michelle Obama depois de oito anos de uma vida pública comedida. Em outras palavras, esta obra não entra na casa da família Obama ou em suas intimidades, em contrapartida apresenta Michelle como uma mulher madura, consciente do seu lugar de fala e inquieta sobre o futuro do seu país.
Os documentários totalmente focados no trabalho dos sujeitos representados são tidos como publicitário. Como Barack e Michelle são os produtores da obra, não é possível esperar algo distante do discurso promocional. A diretora Nadia Hallgren, no entanto, busca – seja do ponto de vista da edição seja da narrativa – mostrar que a mensagem é mais poderosa que a sua portadora.
A intenção deste movimento é posta em evidência quando a voz e a imagem de Michelle dão lugar aos rostos e discursos de jovens meninas afro-americanas dentro dos seus ambientes sociais. Elas representam a transformação desejada pela ex-primeira dama a partir da disseminação das ideias do seu livro. De tal maneira que parte da turnê é composta de encontros em tom de empoderamento com grupo de estudantes, mulheres afro-americanas e indígenas.
Durante sua turnê promocional, Michelle senta-se à frente de vários entrevistadores, como Oprah Winfrey e Reese Witherspoon, para encantar uma plateia ávida por partilhar da sua experiência como primeira dama. Os espectadores do documentário têm apenas um vislumbre desses encontros, transitando pelas temáticas de segurança, vestimenta e casamento, mas principalmente na sua jornada contra o racismo desde a infância em Chicago, passando por Princeton e Harvard, até a chegada à Casa Branca.
Como um dos casais mais poderosos do século XXI, Michelle e Barack Obama atiçam a curiosidade das pessoas. O ex-presidente dos Estados Unidos, no entanto, é um mero coadjuvante nessa entoada. Ele mesmo chega a comparar a sua participação a de Jay-Z na canção “Crazy in Love” de Beyoncé. As filhas, Malia e Natasha, também fazem uma rápida aparição. A parte pessoal fica mais por conta da mãe, Marian Shields Robinson, e o irmão, Craig Robinson.
O documentário não apresenta informações adjacentes à obra literária de Michelle ou mesmo o desempenho do casal no ramo da produção audiovisual [a exemplo, Crip Camp: Revolução pela Inclusão (2020)]. Minha História, na verdade, sinaliza os propósitos da autora ao compartilhar suas memórias. Os bastidores da turnê possui a urgência de mostrar a milhares de jovens Michelle Obama como um modelo a ser seguido e admirado.
A partir da narrativa apresentada é evidente o desejo de um discurso de superação, de acreditar em si mesmo para poder fazer diferença ao seu redor, tal como a máxima: “seja a mudança que você quer ver no mundo”, atribuída indevidamente a Gandhi. Soa estranho dizer que Michelle transmite uma mensagem apolítica, no entanto, ela mesma afirma que a chegada de Trump ao poder deve-se a uma abstenção política de seus opositores, em grande parte os latinos-americanos, indígenas e afrodescentes.
Por outro lado, ela pondera que esta perspectiva é necessária enquanto sociedades não aceitarem enxergar a todos pelo mesmo prisma. A mensagem de Michelle é mais forte do que o modesto documentário. Vale ressaltar a sua afirmação sobre o discurso e a postura de um líder político: transmitir esperança e produzir evolução, algo perdido na atual conjuntura, tanto estadunidense quando em outras partes do mundo.