Barbie Psicótica
A esta altura você provavelmente está familiarizado com o termo ‘prazer culposo’. Caso contrário, ele se refere a qualquer coisa que gostemos mesmo não duvidando de sua falta de qualidade. No cinema o termo é muito usado para produções em sua maioria execradas pela patrulha do bom gosto, mas que terminam por cair nas graças de determinados grupos, se tornando cult. Na década de 1990, temos como exemplo disso produções como Showgirls (1995) e Anaconda (1997), hoje considerados bons filmes ruins.
Um filme pode nascer cult também, e muitas vezes ter consciência de toda a sua glória trash implícita. É o caso com este Paixão Obsessiva, novo lançamento da Netflix, que desde seus primórdios anunciava exatamente o que seria, prometendo uma pérola do cinema B. Para começar, o suspense usa como protagonistas Katherine Heigl e Rosario Dawson, duas atrizes talentosas, mas que não são exatamente o crème de la crème de Hollywood.
A trama é igualmente pra lá de batida, soando como algo que merecia lançamento direto em vídeo, ou como paródia do gênero ao qual pertence. Julia Banks (Dawson) é uma mulher moderna e bem sucedida, em vias de se casar. O prelúdio do matrimônio, no entanto, segue por caminhos tortuosos. Acontece que David (Geoff Stults), o noivo, tem em sua vida a ex-mulher Tessa (Katherine Heigl), e juntos são pais da pequena Lily (Isabella Kai Rice).
A loira gelada (Heigl) Hitchcockiana com esteroides vai gradativamente mostrando as garras e exibindo todo seu descontentamento com a nova relação do ex-marido, por quem ainda nutre sentimentos fortes. Temos aqui a justificativa básica, retratada na forma de uma conversa de boteco descompromissada, para os desvios de personalidade desta boneca psicopata: torturas psicológicas da mãe (papel da veterana Cheryl Ladd), que refletem na filha pequena (Rice).
Mas engana-se quem acha que os problemas acabam por aí. Julia (Dawson) também possui um passado secreto, na forma de um ex-namorado abusivo (Simon Kassianides), que, obviamente, irá voltar à tona em determinado momento, quando tudo se misturar nesta salada de frutas indigesta, mas nem por isso menos saborosa.
Para verdadeiramente apreciar Paixão Obsessiva você precisa ter o estado de espírito certo: mergulhar na galhofa, jogar qualquer sintoma de credibilidade pela janela, saber rir e degustar cada momento ridículo apresentado. Dá para fazer inclusive uma lista de itens a serem riscados dos famosos clichês do subgênero, como policiais tapados, o mocinho cego de tão ingênuo e a vilã que só falta gargalhar de suas maldades. Tessa deixa no chinelo personagens novelescas como Carminha (Adriana Esteves), de Avenida Brasil, e Nazaré Tedesco (Renata Sorrah), de Senhora do Destino.
Heigl, mais acostumada a interpretar mulheres doces em seus filmes (a maioria comédias românticas), parece ter se divertido muito ao trabalhar seu ‘lado negro’, caprichando na atuação caricata e exagerando na medida certa para o público pegar raiva de sua personagem pedante. Fosse no Brasil, Heigl correria até o risco de apanhar na rua, como acontece com alguns intérpretes de novelas por aqui.
É impossível pensar que tudo não é criado de forma consciente pelos roteiristas David Leslie Johnson (A Órfã) e Christina Hodson (Refém do Medo), e pela diretora Denise Di Novi – produtora veterana dos filmes de Tim Burton, estreando na direção. Os realizadores praticamente “piscam” para o público, sabendo exatamente o quão “sério” é o produto que entregam. No clímax, por exemplo, reparem nos trajes fantasmagóricos de Heigl, criando um misto de vilão de filme de terror com inimigo de filmes de super-herói. Inúmeras vezes senti vontade de aplaudir as cenas, entre uma gargalhada e outra. E o final… Digamos apenas que é glorioso. Já quem for assistir levando tudo a sério, está mais a perigo do que os personagens dentro do filme.