Entre alegrias, tristezas e perdas existe uma belíssima história de amor que quase não se vê ultimamente nas plataformas de streaming. Com todos os seus clichês românticos e frases de efeito acalentadoras, Recomeço é uma delicada minissérie que celebra a plenos pulmões o que hoje muito tem sido demonizado no entretenimento: a família. Baseada no homônimo livro de memórias de Tembi Locke, a nova original Netflix é um aconchegante lembrete de que é possível renascer e redescobrir o amor fileo em meio aos escombros de uma inesgotável dor.
O que torna Recomeço tão valiosa em meio a tantos títulos da gigante do streaming é o seu vasto leque de abrangência narrativa. Embora essencialmente seja uma história de amor intercultural, entre uma artista negra americana e um chef de cozinha italiano, a produção criada por Tembi Locke e Attica Locke (com produção de Reese Witherspoon) transforma este enredo em um alicerce construtivo para abordar as questões mais diversas que permeiam a vida cotidiana, como dilemas profissionais, conflitos familiares, crises existenciais e as coisas costumeiras do dia-a-dia.
Como um genuíno relato da vida real, a produção estrelada por Zöe Saldaña e Eugenio Mastrandrea é como ver as páginas de um diário particular ganhando vida nas telas. O bom, o mal e o feio se entrelaçam em harmonia, confortando a audiência a cada episódio com uma história palpável e identificável sobre como – ao fim de todas as lutas – a graça de Deus sempre resplandece de forma solar e celebrativa. Em meio à dor, Locke encontrou um novo sopro de vida para recomeçar sua jornada e faz da sua vitória um conto leve, emocionante e encorajador, capaz de amolecer até o mais duro dos corações.
E ainda que a narrativa muitas vezes beira o dramalhão meloso, isso de forma alguma torna a experiência menos valiosa. Com todos os seus maneirismos e até mesmo estereótipos e caricaturas trazidos às telas, Recomeço consegue nos embalar nos embates e socos de realidade que a vida do casal acaba trazendo, ainda que algumas caracterizações exageradas tornem os protagonistas exaustivos em seus dois primeiros episódios. Mas passado o período introdutório da trama, as irmãs Locke entendem a necessidade de diluir a construção de seus personagens e ao se livrarem das caricatas apresentações, conseguem cruzar a linha que separa uma boa série de uma bem ruim e repetitiva.
Com Zöe Saldaña em uma tocante e sensível performance, a minissérie original da Netflix ainda celebra as diferenças culturais, exalta a gastronomia italiana como um alívio entre as cenas mais dramáticas e consegue evidenciar a culturalidade deste povo, ainda que flerte com alguns estereótipos. Inspiradora e com uma mensagem poderosa sobre família, Recomeço é o tipo de entretenimento que tanto sentimos falta na Netflix. Com algumas referências bíblicas que naturalmente permeiam a construção narrativa, a original do streaming é um fôlego de vida revigorante em meio a tantos partidarismos políticos que inundaram a indústria do entretenimento.