Filme visto no Festival do Rio 2022.
Ter um filme selecionado para um importante festival de cinema internacional é o tipo de selo que faz com que uma produção se destaque em um universo de milhares de títulos de outros países todos os anos. Quando um filme é selecionado para dois importantes festivais, então, isso significa que esta produção realmente tem algo de diferencial que merece a atenção do público, seja de onde for. É assim que o longa eslovaco ‘Nightsiren’ chegou ao Festival do Rio esse ano, após ser exibido também pelo Festival de Locarno.
Quando criança, Šarlota e sua irmã mais nova, Tamara, viviam em uma cabana na floresta com a mãe e o pai, que era abusivo com a mãe. Certo dia, chateada com um acontecimento e determinada a fugir de casa, Šarlota sai, com Tamara em seu encalço, mas algo acontece que faz com que Tamara se desequilibre e caia de um penhasco. Confusa, desolada e, acima de tudo, determinada, Šarlota segue adiante, retornando ao vilarejo anos depois, já adulta, num instinto de procurar o que teria acontecido com sua irmã. De volta ao seu local de origem, Šarlota (Natalia Germani) terá que enfrentar os costumes enraizados da população e reencontrar amizades deixadas no passado.
Com quase duas horas de duração, a extensão desse filme talvez jogue contra a acepção de ‘Nightsiren’. A primeira sequência do longa traz essa cena do passado da protagonista, e, em seguida, já a temos de volta ao vilarejo de origem; daí em diante, o roteiro de Barbora Namerova e Tereza Nvotová passa a reconstruir a vida de Šarlota como um quebra-cabeças que ela mesma desconhece, dificultando um pouco a vida do espectador, por mais de metade do longa nos fazendo nos perguntar o por quê do gênero terror. Mas então, quando a coisa toda começa de fato a acontecer, entendemos que o mote de ‘Nightsiren’ se vale da realidade das mulheres e do feminino em si como argumento para a construção do clima de suspense crescente que passa a apertar a vida dessa protagonista enquanto ela tenta transitar por entre o vilarejo machista, misógino, ultrarreligioso e preconceituoso que não tolera a liberdade e a individualidade feminina em nenhuma época.
Para tal, a diretora Tereza Nvotová parte do drama cotidiano de uma jovem em busca das raízes de seu passado para transformar o conflito de ideologias o principal catalisador das tragédias em seu longa. De um cenário mais aberto e luminoso na primeira metade para uma segunda parte sombria e mística – que nos leva de volta a histórias como as vistas em ‘A Bruxa’, ‘Midsommar’ e semelhantes – Tereza Nvotová demonstra, com a simplicidade de seu filme, que o pior terror na vida de uma mulher é ser uma mulher em uma sociedade conservadora.
Com belas cenas de bruxaria, misticismo e um clima de thriller cozido a banho maria, ‘Nightsiren’ confirma a expectativa criada por sua passagem em festivais de cinema, trazendo ao público uma história esteticamente impactante e visceral. É o cinema de terror e suspense das montanhas europeias comprovando, mais uma vez, que tem muito a oferecer ao imaginário dos fãs do gênero.