domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | ‘Nocturne’ é uma fria análise sobre a loucura e a ambição humanas

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Concluindo o quarteto de filmes antológicos da parceria firmada entre a Amazon e a Blumhouse, Nocturne prometeu revitalizar as clássicas histórias de terror sobrenatural com uma narrativa simples e eficaz, girando em torno do conturbado mundo artístico. Trazendo para o centro dos holofotes um emblemático enredo entre duas irmãs gêmeas pianistas que lutam para construir uma carreira em um famoso conservatório de música, o longa-metragem ganha inúmeros pontos ao resgatar tramas já exploradas com maior profundidade construções similares, adornando os arcos de cada personagem com uma roupagem modernizada e um declaração de que a fama e a ambição sempre vêm com um preço.

A verdade é que a série de produções supervisionadas por Jason Blum vem causando mais decepções do que satisfações – o que é uma pena, considerando que o material promocional desses longas episódios aumentou bastante as expectativas dos amantes do gênero. A temporada foi aberta com o previsível The Lie, seguida do interessante, porém cru Black Box (que fez certas incursões sobre os limites da mente humana e sobre os segredos do subconsciente). Entretanto, essa leve melhora de nada adiantou quando justaposta ao ridículo pedantismo de Evil Eye, uma das piores obras não apenas do ano, mas das últimas décadas – então como entregar ao público algo que fosse aprazível o suficiente para que essa experiência não se perdesse em um turbilhão de fórmulas simplórias?



A verdade é que Nocturne pode e deve ser encarado como a melhor entrada do Welcome to the Blumhouse – não que isso signifique alguma coisa. Afinal, quando lidamos com uma saga que não diz nada com nada, é costumeiro que procuremos algo que fuja dos convencionalismos e que seja “o menos pior”. O filme a que me refiro nesta breve crítica ao menos foge das tangências da presunção cinematográfica e não deseja se tornar um grande clássico – muito pelo contrário: ele tem ciência de suas fronteiras e sabe que, caso ouse ultrapassá-las, pode se transformar em uma convulsão simplória sem pé nem cabeça e que nos guia para um beco sem saída. Entretanto, ao restringir-se a um fio condutor apenas, impede a si mesmo de explodir em milhões de pedacinhos que não podem ser fundidos em uma única nota novamente.

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De fato, essa coesão se deve ao fato de termos um nome como Zu Quirke na cadeira de direção – e fazendo sua estreia no âmbito dos longas-metragens depois de ter comandado três curtas de pouco conhecimento mundial. Ficando responsável pela estrutura imagética e pela narrativa da iteração, a cineasta é sagaz ao concentrar seus esforços nas opressoras e maciças paredes do instituo musical que prendem a nossa protagonista – a jovem Juliet (Sydney Sweeney saindo de uma ótima performance em ‘Euphoria’ para uma sólida atuação), uma esforçada pianista que vive à sombra da irmã, Vivian (Madison Iseman), uma artista exímia que tem o mundo aos seus pés e conseguiu uma bolsa na lendária Julliard.

Desde o princípio, Juliet se mostra como uma pessoa desistiu de alcançar seus sonhos – talvez pelo motivo deles serem sempre fisgados ou drenados por Viv. Ela também tentou uma vaga em Julliard, mas não conseguiu, retornando para o conservatório para continuar “empurrando com a barriga” suas aulas sobre Mozart em uma apática rotina sem qualquer prospecto de mudança\. As coisas mudam quando ela encontra um livro de teoria musical de uma ex-aluna que se jogou do terceiro andar do prédio poucas semanas antes, estranhando os misteriosos e medonhos desenhos nas páginas em branco – que, de alguma forma, conversam com ela (e bem a tempo das audições para o concerto dos formandos promovido pela diretora (JoNell Kennedy).

De alguma forma, os desenhos no livro que encontra servem como reflexo do vêm acontecido em sua vida e, na verdade, são passos de um ritual para alcançar a glória – é claro, com um preço a pagar: uma alma. Juliet não percebe, mas ao tomar posse do objeto, ela mergulha de cabeça numa jornada sem volta que lhe dá o vigor necessário para se tornar uma estrela, em detrimento do apoio e do amor daqueles a seu redor. Enfrentando seu antigo tutor e envolvendo-se com o assustador Henry Cask (Ivan Shaw), ela “rouba” a apresentação de Viv e até mesmo serve como uma peça-chave indireta para que ela sofra um terrível acidente e perca a mobilidade do braço por seis meses e a vaga na universidade. No final das contas, Quirke nos questiona se decisões precipitadas realmente valem a pena – lançando uma centelha de altercações sobre a fragilidade da psique e sobre a loucura, mas que, infelizmente, nunca toma dimensões muito além do que é esperado.

Não se enganem: Nocturne não é tão calculável quanto soa, com exceção de sua resolução. Ora, ele nem ao menos foge da estética que quer nos entregar, funcionando como um coeso produto que nos deixa ansiando por mais. O grande deslize, por assim dizer, é sua falta de ousadia e de autocrítica quanto ao lugar-comum – e, enquanto afasta-se da presença materializada de demônios ou de aparições sobre-humanas, não consegue criar um elo contínuo o bastante para nos chocar com sua reviravolta. Há um flerte óbvio com a falta de apoio psicológico encarnada por Natalie Portman em ‘Cisne Negro’ ou com a íntima insanidade de Jessica Harper em ‘Suspiria’ – nada que acrescente muitas camadas a personagens já complexos na medida certa, e nada que não passe de uma emulação barata. De qualquer forma, a eventual melancolia e a normatização da tragédia são convincentes, apesar de não dignas ao que poderia ser.

Há algo de agridoce quando olhamos de volta para os quatro volumes dessa antologia recém-iniciada – e, por mais que as intenções de Nocturne sejam as melhores, elas parecem não ter vontade de encarnar a originalidade e renegar o básico.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Concluindo o quarteto de filmes antológicos da parceria firmada entre a Amazon e a Blumhouse, Nocturne prometeu revitalizar as clássicas histórias de terror sobrenatural com uma narrativa simples e eficaz, girando em torno do conturbado mundo artístico. Trazendo para o centro dos holofotes um emblemático enredo entre duas irmãs gêmeas pianistas que lutam para construir uma carreira em um famoso conservatório de música, o longa-metragem ganha inúmeros pontos ao resgatar tramas já exploradas com maior profundidade construções similares, adornando os arcos de cada personagem com uma roupagem modernizada e um declaração de que a fama e a ambição sempre vêm com um preço.

A verdade é que a série de produções supervisionadas por Jason Blum vem causando mais decepções do que satisfações – o que é uma pena, considerando que o material promocional desses longas episódios aumentou bastante as expectativas dos amantes do gênero. A temporada foi aberta com o previsível The Lie, seguida do interessante, porém cru Black Box (que fez certas incursões sobre os limites da mente humana e sobre os segredos do subconsciente). Entretanto, essa leve melhora de nada adiantou quando justaposta ao ridículo pedantismo de Evil Eye, uma das piores obras não apenas do ano, mas das últimas décadas – então como entregar ao público algo que fosse aprazível o suficiente para que essa experiência não se perdesse em um turbilhão de fórmulas simplórias?

A verdade é que Nocturne pode e deve ser encarado como a melhor entrada do Welcome to the Blumhouse – não que isso signifique alguma coisa. Afinal, quando lidamos com uma saga que não diz nada com nada, é costumeiro que procuremos algo que fuja dos convencionalismos e que seja “o menos pior”. O filme a que me refiro nesta breve crítica ao menos foge das tangências da presunção cinematográfica e não deseja se tornar um grande clássico – muito pelo contrário: ele tem ciência de suas fronteiras e sabe que, caso ouse ultrapassá-las, pode se transformar em uma convulsão simplória sem pé nem cabeça e que nos guia para um beco sem saída. Entretanto, ao restringir-se a um fio condutor apenas, impede a si mesmo de explodir em milhões de pedacinhos que não podem ser fundidos em uma única nota novamente.

De fato, essa coesão se deve ao fato de termos um nome como Zu Quirke na cadeira de direção – e fazendo sua estreia no âmbito dos longas-metragens depois de ter comandado três curtas de pouco conhecimento mundial. Ficando responsável pela estrutura imagética e pela narrativa da iteração, a cineasta é sagaz ao concentrar seus esforços nas opressoras e maciças paredes do instituo musical que prendem a nossa protagonista – a jovem Juliet (Sydney Sweeney saindo de uma ótima performance em ‘Euphoria’ para uma sólida atuação), uma esforçada pianista que vive à sombra da irmã, Vivian (Madison Iseman), uma artista exímia que tem o mundo aos seus pés e conseguiu uma bolsa na lendária Julliard.

Desde o princípio, Juliet se mostra como uma pessoa desistiu de alcançar seus sonhos – talvez pelo motivo deles serem sempre fisgados ou drenados por Viv. Ela também tentou uma vaga em Julliard, mas não conseguiu, retornando para o conservatório para continuar “empurrando com a barriga” suas aulas sobre Mozart em uma apática rotina sem qualquer prospecto de mudança\. As coisas mudam quando ela encontra um livro de teoria musical de uma ex-aluna que se jogou do terceiro andar do prédio poucas semanas antes, estranhando os misteriosos e medonhos desenhos nas páginas em branco – que, de alguma forma, conversam com ela (e bem a tempo das audições para o concerto dos formandos promovido pela diretora (JoNell Kennedy).

De alguma forma, os desenhos no livro que encontra servem como reflexo do vêm acontecido em sua vida e, na verdade, são passos de um ritual para alcançar a glória – é claro, com um preço a pagar: uma alma. Juliet não percebe, mas ao tomar posse do objeto, ela mergulha de cabeça numa jornada sem volta que lhe dá o vigor necessário para se tornar uma estrela, em detrimento do apoio e do amor daqueles a seu redor. Enfrentando seu antigo tutor e envolvendo-se com o assustador Henry Cask (Ivan Shaw), ela “rouba” a apresentação de Viv e até mesmo serve como uma peça-chave indireta para que ela sofra um terrível acidente e perca a mobilidade do braço por seis meses e a vaga na universidade. No final das contas, Quirke nos questiona se decisões precipitadas realmente valem a pena – lançando uma centelha de altercações sobre a fragilidade da psique e sobre a loucura, mas que, infelizmente, nunca toma dimensões muito além do que é esperado.

Não se enganem: Nocturne não é tão calculável quanto soa, com exceção de sua resolução. Ora, ele nem ao menos foge da estética que quer nos entregar, funcionando como um coeso produto que nos deixa ansiando por mais. O grande deslize, por assim dizer, é sua falta de ousadia e de autocrítica quanto ao lugar-comum – e, enquanto afasta-se da presença materializada de demônios ou de aparições sobre-humanas, não consegue criar um elo contínuo o bastante para nos chocar com sua reviravolta. Há um flerte óbvio com a falta de apoio psicológico encarnada por Natalie Portman em ‘Cisne Negro’ ou com a íntima insanidade de Jessica Harper em ‘Suspiria’ – nada que acrescente muitas camadas a personagens já complexos na medida certa, e nada que não passe de uma emulação barata. De qualquer forma, a eventual melancolia e a normatização da tragédia são convincentes, apesar de não dignas ao que poderia ser.

Há algo de agridoce quando olhamos de volta para os quatro volumes dessa antologia recém-iniciada – e, por mais que as intenções de Nocturne sejam as melhores, elas parecem não ter vontade de encarnar a originalidade e renegar o básico.

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