Há muito do Brasil ainda desconhecido pela maior parte dos brasileiros. Com as narrativas, as produções e os fomentos quase todos centrados no eixo Rio-São Paulo, o país, de dimensões continentais, mesmo hoje desconhece boa parte das histórias que acontecem em outros estados, que não aqueles de força econômica. Assim, é através do cinema que muitas dessas narrativas acabaram ganhando espaço, especialmente nos últimos anos, e consequentemente alcançaram um público para além de suas fronteiras, como ocorre com ‘Noites Alienígenas’, filme acreano vencedor de diversos Kikitos no último Festival de Gramado, incluindo o de Melhor Filme.
Na Amazônia contemporânea, na periferia de Rio Branco, capital do Acre, as vidas de três personagens se entrecruzam enquanto as milícias do sudeste invadem a cidade com seu poderio armamentício e violento. Assim acompanhamos Paulo (Adanilo Reis), um rapaz indígena que sofre com os efeitos das drogas e, isolado, tenta se desintoxicar dos produtos químicos, ao mesmo tempo em que cede às necessidades do vício e procura a mãe de seu filho, Sandra (a ex-BBB Gleici Damasceno), atrás de dinheiro. Paralelamente, Rivelino (Gabriel Knoxx), atual namorado de Sandra, vive um dilema entre ser um bom filho para sua mãe, a Loira, com seu grafite pelos muros da cidade, ou se entra para o mundo do crime, que lhe proporcionaria mais dinheiro e segurança em um universo incerto da periferia. Enquanto isso, Alê (Chico Diaz) tenta orientar a juventude sobre os bons caminhos a seguir, mas ele mesmo tem suas desconfianças sobre o que acontece naquelas redondezas.
Um dos maiores acertos de ‘Noites Alienígenas’ é centrar a narrativa em três personagens de raças diferentes, mostrando não só a pluralidade do Brasil, mas também as ambições e soluções distintas encontradas pelo homem branco, pelo negro e pelo indígena. Outro acerto é que o filme de Sérgio de Carvalho também elenca pessoas indígenas para os papéis que lhes cabem, com destaque para Adanilo Reis, cujas cenas de desintoxicação são bastante impactantes e retratam uma realidade bem comum, infelizmente, de muitos povos indígenas: a entrada de drogas sintéticas nas aldeias tem causado quadros muitas vezes irreversíveis nos jovens. Felizmente, como o filme retrata, a sabedoria ancestral continua sendo solução mesmo nos momentos mais desesperadores.
O roteiro de Camilo Cavalcanti, Rodolfo Minari e do próprio Sérgio de Carvalho entrelaça os três protagonismos para, através da ficção científica (aliás, uma piada que roda pelo país, tamanho o desconhecimento que a população brasileira tem sobre o estado do Acre, mas sobre a qual o filme se apropria em seu favor) construir uma história de suspense baseada em eventos totalmente possíveis, uma vez que a fuga e a disseminação das facções criminosas do sudeste para a região norte têm trazido consequências pesadas para essa região, que já não recebe a devida atenção dos governos.
Assim, ‘Noites Alienígenas’ é um belo exemplo de como o cinema pode contribuir para trazer outras realidades para o grande público, e ao mesmo tempo aproximar esse público dessas realidades que não são tão distantes quanto as fronteiras geográficas fazem parecer. Um filme envolvente, que faz bom uso dos elementos cinematográficos em favor da sua história.