Quanto mais mexemos no passado da história mundial, mais descobrimos coisas até então desconhecidas pelas pessoas. Isso vale tanto para regiões ainda não escavadas por arqueólogos, por exemplo, e que descobrem características culturais enterradas pelo tempo, quanto também vale para histórias (ou parte delas) que ficaram enterradas no passado, sob sigilo ou segredo, e que ao se puxar um pedacinho do fio que a amarra, acaba desvendando todo um mistério até então não sabido pela população. E quando focamos nosso olhar para as guerras mundiais, mesmo hoje, há cerca de cem anos passados de ambos os episódios, ainda é possível descobrir mais e mais absurdos que ocorreram naqueles períodos, mas que até então não eram de conhecimento de grande público. E como veículo de divulgação, os livros e produções de ficção têm servido como grandes ferramentas de comunicação, tal qual ocorre com o longa ‘O Anel de Eva’, filme brasileiro de drama que chega a partir dessa semana ao circuito exibidor.
Eva (Suzana Pires, do inédito ‘Câncer com Ascendente em Virgem’) e Marcelo (Luciano Bortoluzzi) acabaram de perder o pai. Em meio à tristeza da perda, Pedro (Sandro Lucose) entrega à Eva uma caixa cheia de elementos que comprovam que Eva não só não é filha biológica dos pais deles, como também sequer fora registrada em cartório. Tudo isso porque Marcelo, que é médico, nunca se interessou pela fazenda da família, mas, agora, diante da morte do pai e a abertura do inventário da herança, ele quer lutar para que a partilha seja justa para ele, que se considera filho legítimo. Mas Eva está muito mais preocupada com os porcos selvagens que rondam a fazenda e o misterioso conteúdo da tal caixa, que fará com que seu caminho se cruze com o do perigoso fazendeiro Martin (Odilon Wagner, cuja carreira se consolidou nas novelas de tv).
Em uma hora e meia de duração, ‘O Anel de Eva’ tem como argumento um fator muito interessante e que certamente provoca a curiosidade do espectador: a vinda de (então) oficiais nazistas para o Brasil, na época das guerras mundiais, para aqui se esconderem – e se isentarem dos julgamentos que viriam após a queda do Reich. Este tema ainda é muitíssimo pouco debatido ou colocado nos filmes, mas fato é que o Brasil recebeu muitos soldados e oficiais do exército de Hitler, que aqui buscaram de refugiar e viver a vida em paz, longe das consequências que enfrentariam por seus envolvimentos na guerra. Há boatos até de que o próprio Hitler teria se escondido no Amazonas, mas até hoje nada foi confirmado.
Partindo desse tema pouco conversado abertamente, o roteiro de Pedro Reinato e Eduardo Ribeiro insere diversos elementos para construir um enredo sofisticado e cheio de vontade, mas que justamente por tanto querer, acaba faltando em alguns pontos. Os muitos elementos inseridos (a briga familiar, a questão da herança, a busca de identidade, a sexualidade da sobrinha, a ciência, a vida no interior, a vida amorosa da protagonista etc) acabam desviando o foco do que é o cerne da curiosidade do espectador: a história levantada sobre a possibilidade de oficiais nazistas terem se escondido no interior do país.
Mesmo assim, ‘O Anel de Eva’ é um filme corajoso de Duflair Barradas por tocar nesse delicado assunto e por fazê-lo através de um protagonismo feminino, firmemente encarado pela igualmente forte Suzana Pires. É o cinema autoral brasileiro que busca provocar reflexão e incômodo ao grande público.