Luxo e luxúria cruzam seus caminhos em uma idílica e suntuosa casa de veraneio, para o que promete ser um venenoso casamento entre poder, dinheiro, desejos mal consumados e problemas familiares jamais resolvidos. O Casal Perfeito é embebido dos mesmos elementos que tornaram o gênero criminal com toques de elitismo um fenômeno nas prateleiras das livrarias ao redor do mundo. Caminhando pelas mesmas rotas que fizeram as obras de Liane Moriarty best-sellers do gênero, o livro de Elin Hilderbrand é um forte coquetel que abusa da curiosidade alheia em bisbilhotar a vida de milionários, com o acréscimo da clássica rachadura que tenta despistar os horrores dos bastidores.
E o formato é excelente para os fãs do estilo “whodunnit”. Mas na adaptação original da Netflix, enquanto o luxo exala a plenos pulmões a cada cena, muito da essência da história se perde ao longo do caminho. Incisiva em mostrar o poder da família Winbury e sua falta de tato com a realidade social da média mundial, O Casal Perfeito quer, a todo custo, nos convencer que estamos diante de um poderoso e rico clã, que não entende o significado de desperdício e faz pouca questão de qualquer coisa. Mas se esquivando das aulas de quiet luxury, a criadora Jenna Lamia peca por tentar demais nesse quesito.
Perdendo a oportunidade de abordar a opulência sem se tornar verborrágica no processo, ela fica enfadonha em seu discurso, transforma tudo em dinheiro a todo momento, enquanto poderia ter se inspirado em séries como Succession, que fazem da questão um delicioso e ácido elemento à parte dentro da narrativa. E aí está o erro da minissérie. Enquanto Lamia tenta nos convencer com obviedades, ela se esquece do principal, que é justamente a construção de seus personagens. Falta carisma, falta argumento em seu roteiro e falta agilidade no desenrolar dos arcos. No estilo de “essa reunião poderia ser resolvida em um e-mail”, O Casal Perfeito poderia muito bem ser melhor desenvolvida no formato de um longa.
Estendendo algumas subtramas que, eventualmente, não impactam o desfecho da série em si, a original Netflix tem um enorme potencial e acerta por querer se inspirar nos grandiosos sucessos de Big Little Lies (1ª temporada) e The White Lotus, que unem esplendor, beleza e crimes em uma única taça de cristal. E mesmo com os seus tropeços e pouca ousadia na sua concepção final, seria injusto afirmar que a produção é um completo tempo perdido. Nicole Kidman e Meghann Fahy brilham em tela, mas quem realmente domina a produção é Dakota Fanning, que sabe distrair a audiência muito bem ao longo dos seis episódios. Exuberância resplandece dela a todo momento, em uma personagem que, de fato, é a expressão do quiet luxury e de uma abafada soberba em uma constante falsa gentileza.
Irregular ao longo dos episódios, mas divertida em diversos momentos, a minissérie é ambiciosa por tentar criar seu próprio mistério, trazendo Nicole Kidman e Liev Schreiber como os maiores destaques do elenco, mas falha por não saber aproveitá-los e por não inovar em nada. Reproduzindo vagamente aquilo que a HBO já faz com enorme precisão, a série é marcada por muitos erros, que podem tirar boa parte do brilho de seus acertos. Capaz de convencer os fãs do gênero a permanecerem até o fim, mas incapaz de atrair outros tipos de público, a original Netflix nos deixa incertos até seus instantes finais. Com um encerramento murcho, digno de série de super-herói da CW, a produção faz das suas inconsistências a nossa maior frustração. Ela é boa e ruim. Instigante, mas fica insossa. Empolgante, mas logo em seguida cansativa. Difícil maratonar O Casal Perfeito como um ciclo completo. Suas trepidações durante o percurso lhe custam muito do que a tornaria uma ótima pedida para o fim de semana.