Melodrama que Funciona
Baseado no livro autobiográfico da jornalista Jeannette Walls, O Castelo de Vidro não narra, no entanto, sua carreira profissional ou nenhum ocorrido neste núcleo, e sim sua vida em família desde a infância. O foco aqui é sua história ao lado dos pais livres pensadores, sem um tostão no bolso, e dos irmãos em busca de uma vida melhor.
A trama, extremamente identificável, promete grande apelo junto ao público, por recair numa fórmula que o ser humano não consegue resistir: o melodrama.
É preciso admitir, no entanto, mesmo sem apreço pelo estilo, quando bem confeccionado causa certa busca interna por sentimentos que nos preenchem. Existe o bom melodrama e o melodrama safado. O Castelo de Vidro é exemplo do primeiro.
Um bom exemplo do contraponto é Beleza Oculta, filme lançado no início do ano, com Will Smith, que permanece no topo (ou seria fundo) da minha lista como o pior filme de 2017. Extremamente manipulativo, o filme de Smith pretende pegar o público como refém de suas situações dramáticas, mesmo que elas não façam o menor sentido. Por se comportarem de forma totalmente errática e incorreta, todos os personagens daquele filme logo se tornam alienígenas de tão distantes de qualquer qualidade humana.
É justamente o oposto do citado acima o que temos aqui. Personagens muito humanos, que mesmo em suas peculiaridades seguem fazendo sentido e criando elo com o público. Para tudo existem dois lados e, satisfatoriamente, este longa os apresenta. Aqui não há condenação de atos, e menos ainda o passar da mão na cabeça aliviando, como um bom debate não panfletário deve ser.
Obviamente donos de um forte espírito socialista, Rex (Woody Harrelson) e Rose (Naomi Watts) são sonhadores que esperam um mundo melhor, longe do poder destrutivo do dinheiro. Enquanto a vida passa, e as promessas de melhoria na qualidade dela em família não são cumpridas pelo patriarca, que encontra na bebida um escape perigoso, os quatro filhos sofrem as consequências e terminam repelidos pelo estilo de vida almejado pelos progenitores.
Não por menos, na fase adulta – o filme é narrado em duas linhas temporais – Lori (a ótima e subestimada Sarah Snook, de O Predestinado), Brian (Josh Caras), a caçula Maureen (Brigette Lundy-Paine) e a própria protagonista Jeannette (Brie Larson) se afastaram o máximo possível dos ideais do seu antigo e falho líder. O Castelo de Vidro faz uso uma filosofia de criação e núcleo familiar semelhante ao do recente Capitão Fantástico, invertendo um pouco a proposta de pureza quase santificada e soando por vezes como desculpa para a falta de ocupação. Por comparação, a escolha de Ben (Viggo Mortensen), protagonista do filme citado, soa verdadeiramente como abnegação, enquanto a de Rex e Rose aqui soma em equívocos, falta de preparo e empenho.
Só aí já temos um filme que supera seu melodrama, ao levantar questões dignas de debate e longe de respostas fáceis, apresentadas de forma sutil e bem trabalhada. O roteiro adaptado pelo próprio diretor, o talentoso Destin Daniel Cretton, dá ênfase em seus personagens e situações, nos fazendo muitas vezes esquecer que funciona numa estrutura pré-estabelecida e até mesmo manipulativa, de tão bom que é. Seu trabalho pulsa e faz a obra ganhar vida por conta própria, se liberando de suas amarras. O cineasta não domestica sua veia, imprimindo a emoção que trouxe de seu longa anterior, o ótimo Temporário 12 (primeira parceria com Larson), que precisa ser encontrado e visto.
No campo das atuações, um dos chamarizes é o nome da vencedora do Oscar 2016, Brie Larson. A atriz é usada para vender a obra, que até cheira a Oscar, se tiver força para ser impulsionada até o início do ano que vem – geralmente os elegíveis começam a pipocar em setembro. Larson, no entanto, tem um desempenho apenas satisfatório. Quem rouba verdadeiramente a cena é o experiente Woody Harrelson, na pele do personagem mais multifacetado e de difícil acesso e definição do longa. Como fiz no ano passado com Viggo Mortensen, faço aqui minha aposta para uma indicação do ator. Sim, ele está bom neste nível.
O Castelo de Vidro à distância soa como um emaranhado de clichês, vibrando com pieguice e quantidade de açúcar suficiente para fazer correr os mais realistas. Bem, à primeira vista, porque o resultado, mesmo que as afirmações não sejam totalmente equivocadas, exala sinceridade e tamanho empenho para que tudo seja perdoado e que mordamos a língua com gosto. Viva o melodrama. Agora me passe o lenço.