domingo , 24 novembro , 2024

Crítica | ‘O Gabinete de Curiosidades de Guillermo del Toro’ é uma antologia interessante e visualmente impecável

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Guillermo del Toro é um dos realizadores mais únicos do cenário contemporâneo do entretenimento e, ao longo de sua carreira, entregou títulos incríveis, desde o drama fantástico de guerra O Labirinto do Fauno, o vencedor do Oscar A Forma da Água e a impecável série animada ‘Caçadores de Trolls’. Agora, Del Toro está de volta com mais uma produção infundida com terror e suspense – a antologia ‘O Gabinete de Curiosidades’, que estreou hoje, 25 de outubro, na Netflix.

Ao longo de oito episódios, a obra é baseada em contos de terror e procura não apenas trazer alguns dos convencionalismos que os fãs do gênero adoram, mas uma exploração mais metafísica do que significa entrar em contato com forças inexplicáveis e entidades sobrenaturais. E, enquanto o visual de cada capítulo é de tirar o fôlego, incrementado com aspectos estilísticos que funcionam do começo ao fim, a condução nos convence a querer saber o desenrolar de cada trama – ainda que, volta e meia, tropece em alguns diálogos óbvios ou resoluções apressadas. Porém, no geral, a série é uma bem-vinda adição ao catálogo da gigante do streaming e apresenta um lado do horror que já vem sendo explorado há vários anos no mainstream.



Cada capítulo foi comandado por um diretor diferente, além de trazer roteiristas distintos para delinear o enredo. Considerando que esta é uma antologia, o problema do conflito imagético e identitário praticamente não existe, considerando que funcionam como um microcosmos únicos – apesar de boa parte deles se valer de incursões de época. Temos, por exemplo, “Graveyard Rats”, que acompanha um ladrão de covas que precisa pagar uma dívida com um agiota perigoso e aproveita seu conhecimento dos túmulos de um cemitério local para roubar artigos valiosos, como joias. Estrelada por David Hewlett, a história é bem amarrada, apresentando uma reviravolta arrepiante que envolve criaturas malignas habitando no subsolo, mas peca em falas longas e autoexplicativas que tangenciam a redundância. De fato, os melhores momentos do episódio são os que apostam no espetáculo visual – uma mescla de claustrofobia e da inevitabilidade da morte.

A série parte de uma premissa quase shakespeariana, pincelada com inflexões teatrais que se estendem para a performance do elenco e para escolhas artísticas categóricas. Mais do que isso, há um apreço pelo terror cosmológico, cortesia de H.P. Lovecraft e seus conterrâneos, que amalgama os sustos com análises filosóficas sobre a vida, a morte e tudo o que existe entre ambas as instâncias. “Pickman’s Model”, uma das melhores iterações da temporada, atenua a linha entre o terror e a arte e pega elementos psicológicos para nutrir uma narrativa sobre ambição e insanidade. Aqui, Ben Barnes encarna um talentoso artista plástico que cruza caminho com um misterioso homem (interpretado por Crispin Glover). Ao ser convidado para ver algumas de suas obras, o pintor começa a enxergar a crueldade e a podridão que se esconde na sociedade – lentamente navegando pelos mares cruéis de uma loucura inesperada e pungente.

O mesmo acontece em “The Viewing”, ainda que com um escopo mais restrito. Na trama, o diretor Panos Cosmatos reúne um grupo de expoentes da sociedade para se reunirem na mansão de um excêntrico milionário – apenas para descobrirem que o que deveria ser uma noite de celebração se transformaria em um pesadelo sem fim. Cosmatos aproveita sua afinidade com o gênero sci-fi, como visto no subestimado ‘Além do Arco-Íris Negro’, para tratar novamente sobre a ambição humana em entender ou não entender a vida extraterrestre. Mais do que isso, há uma profunda crítica social e niilista que diz, com todas as palavras, que nada importa e que, no final das contas, somos uma ínfima parte de um universo infinito e desconhecido.

Se você procurava algo que tirasse o sono, ‘O Gabinete de Curiosidades’ definitivamente não é a melhor pedida. A produção preza muito mais pelos momentos de tensão e parece não se importar com os metódicos e cansativos jump-scares, preferindo tendências exploradas por Ari Aster, Mike Flanagan e Robert Eggers e construindo uma sinestésica atmosfera que tem um objetivo determinado. Isso não significa, todavia, que Del Toro e seu habilidoso time criativo não se valham de aspectos conhecidos da mitologia sobrenatural – aproveitando o mês do Halloween para trazer criaturas fantásticas, bruxas medonhas e espíritos vingativos às telinhas. Porém, é preciso comentar que, mesmo com as boas intenções, cada episódio deixar a desejar em um ponto – como já mencionado, na narrativa, na construção dos personagens ou nas reviravoltas, o que nos causa certo desconforto e frustração.

A mais nova antologia da Netflix é aprazível quando não se leva a sério e, por fim, deve agradar aqueles que buscam uma diversão para o final de semana. Talvez o maior sucesso encontrado pela série seja o fato de não querer reinventar a roda, mas sim trabalhar com uma arquitetura familiar para dizer que o terror não morreu – e que o gênero, tão majestosamente dominado por Del Toro, ainda tem muito a contar.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Ao longo de oito episódios, a obra é baseada em contos de terror e procura não apenas trazer alguns dos convencionalismos que os fãs do gênero adoram, mas uma exploração mais metafísica do que significa entrar em contato com forças inexplicáveis e entidades sobrenaturais. E, enquanto o visual de cada capítulo é de tirar o fôlego, incrementado com aspectos estilísticos que funcionam do começo ao fim, a condução nos convence a querer saber o desenrolar de cada trama – ainda que, volta e meia, tropece em alguns diálogos óbvios ou resoluções apressadas. Porém, no geral, a série é uma bem-vinda adição ao catálogo da gigante do streaming e apresenta um lado do horror que já vem sendo explorado há vários anos no mainstream.

Cada capítulo foi comandado por um diretor diferente, além de trazer roteiristas distintos para delinear o enredo. Considerando que esta é uma antologia, o problema do conflito imagético e identitário praticamente não existe, considerando que funcionam como um microcosmos únicos – apesar de boa parte deles se valer de incursões de época. Temos, por exemplo, “Graveyard Rats”, que acompanha um ladrão de covas que precisa pagar uma dívida com um agiota perigoso e aproveita seu conhecimento dos túmulos de um cemitério local para roubar artigos valiosos, como joias. Estrelada por David Hewlett, a história é bem amarrada, apresentando uma reviravolta arrepiante que envolve criaturas malignas habitando no subsolo, mas peca em falas longas e autoexplicativas que tangenciam a redundância. De fato, os melhores momentos do episódio são os que apostam no espetáculo visual – uma mescla de claustrofobia e da inevitabilidade da morte.

A série parte de uma premissa quase shakespeariana, pincelada com inflexões teatrais que se estendem para a performance do elenco e para escolhas artísticas categóricas. Mais do que isso, há um apreço pelo terror cosmológico, cortesia de H.P. Lovecraft e seus conterrâneos, que amalgama os sustos com análises filosóficas sobre a vida, a morte e tudo o que existe entre ambas as instâncias. “Pickman’s Model”, uma das melhores iterações da temporada, atenua a linha entre o terror e a arte e pega elementos psicológicos para nutrir uma narrativa sobre ambição e insanidade. Aqui, Ben Barnes encarna um talentoso artista plástico que cruza caminho com um misterioso homem (interpretado por Crispin Glover). Ao ser convidado para ver algumas de suas obras, o pintor começa a enxergar a crueldade e a podridão que se esconde na sociedade – lentamente navegando pelos mares cruéis de uma loucura inesperada e pungente.

O mesmo acontece em “The Viewing”, ainda que com um escopo mais restrito. Na trama, o diretor Panos Cosmatos reúne um grupo de expoentes da sociedade para se reunirem na mansão de um excêntrico milionário – apenas para descobrirem que o que deveria ser uma noite de celebração se transformaria em um pesadelo sem fim. Cosmatos aproveita sua afinidade com o gênero sci-fi, como visto no subestimado ‘Além do Arco-Íris Negro’, para tratar novamente sobre a ambição humana em entender ou não entender a vida extraterrestre. Mais do que isso, há uma profunda crítica social e niilista que diz, com todas as palavras, que nada importa e que, no final das contas, somos uma ínfima parte de um universo infinito e desconhecido.

Se você procurava algo que tirasse o sono, ‘O Gabinete de Curiosidades’ definitivamente não é a melhor pedida. A produção preza muito mais pelos momentos de tensão e parece não se importar com os metódicos e cansativos jump-scares, preferindo tendências exploradas por Ari Aster, Mike Flanagan e Robert Eggers e construindo uma sinestésica atmosfera que tem um objetivo determinado. Isso não significa, todavia, que Del Toro e seu habilidoso time criativo não se valham de aspectos conhecidos da mitologia sobrenatural – aproveitando o mês do Halloween para trazer criaturas fantásticas, bruxas medonhas e espíritos vingativos às telinhas. Porém, é preciso comentar que, mesmo com as boas intenções, cada episódio deixar a desejar em um ponto – como já mencionado, na narrativa, na construção dos personagens ou nas reviravoltas, o que nos causa certo desconforto e frustração.

A mais nova antologia da Netflix é aprazível quando não se leva a sério e, por fim, deve agradar aqueles que buscam uma diversão para o final de semana. Talvez o maior sucesso encontrado pela série seja o fato de não querer reinventar a roda, mas sim trabalhar com uma arquitetura familiar para dizer que o terror não morreu – e que o gênero, tão majestosamente dominado por Del Toro, ainda tem muito a contar.

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