Em fevereiro de 2019, enquanto o Brasil se preparava para o Carnaval e o mundo já começava a enfrentar as primeiras ondas de covid, a capital do Rio de Janeiro testemunhou uma das suas piores tragédias de todos os tempos. Na madrugada do dia 8, dez adolescentes entre 14 e 17 anos, atletas de base do Clube de Regatas do Flamengo, morreram durante um incêndio no alojamento em que dormiam. Essa tragédia ficou conhecida como o incêndio no Ninho do Urubu (nome do local), tema que a Netflix joga luz na docussérie ‘O Ninho: Futebol e Tragédia’.
Dividida em três episódios de aproximadamente quarenta minutos cada, a série criada a partir da ideia original do portal UOL aborda a tragédia de uma maneira incomum: no primeiro episódio conhecemos a vida de alguns dos jovens e testemunhamos o desabafo dos pais desses adolescentes que toparam dar depoimento, culminando com o alojamento dos jovens no Ninho do Urubu; o segundo episódio aborda já diretamente o incêndio, incluindo a cobertura da época feita por veículos como a ESPN e trazendo mais depoimentos, com especial atenção aos jornalistas; no último episódio voltamos um pouco no passado dos garotos para contar como, cinco anos depois, o sabor da impunidade ainda paira no ar com relação à responsabilização judicial do Flamengo diante dos fatos.
A montagem dessa minissérie é estranha porque o tempo todo fica indo e vindo no tempo, o que passa uma sensação de que, na prática, não tem muito assunto para falar. Quando vemos o depoimentos dos jornalistas orgulhosos de terem conseguido pistas bombásticas na época e que fizeram o curso dos eventos ir por outro caminho, responsabilizando os dirigentes do Flamengo, mas, no fim da minissérie, a produção não consegue dizer ao espectador quais foram as famílias que aceitaram o acordo, qual foi o valor da indenização e como andam os trâmites judiciais de responsabilização judicial do time de futebol, a sensação que o espectador pode ter ao final da série é que ela é, no final das contas, um produto para mostrar o bom trabalho feito pelos jornalistas no passado, mas que não se empenhou em trazer novos elementos para o grande público no presente: tudo que é dito na série é sabido por todos que acompanharam os jornais da época.
Dentre os depoimentos, impressiona como a produção conseguiu as falas de ninguém menos do que Vanderlei Luxemburgo, que já foi técnico do Flamengo, e do próprio Zico, um dos maiores ídolos do clube. Surpreende que esses dois sujeitos, que até hoje ainda estão envolvidos com o clube, tenham participado desta série que justamente aponta o dedo para o clube de futebol.
A reconstituição encenada do incêndio é bem feita e entra nos momentos certos do enredo para ilustrar aquilo que os depoentes estão narrando, aprofundando a conexão com o espectador principalmente quando ouvimos os sobrevivente contando em detalhes como tudo aconteceu. É de partir o coração ver essas famílias ainda sofrendo judicialmente por reparação à perda de seus filhos. Talvez o depoimento mais dolorido seja do segurança do CT, que, naquela madrugada, ajudou a salvar alguns jovens que estavam presos no container e que ficou traumatizado pelo resto da vida, toda a noite ouvindo os berros daqueles que não foram salvos – e, uns meses depois, ser demitido pelo clube.
Irregular e incompleta, ‘O Ninho: Futebol e Tragédia’ é uma minissérie documental que mostra para o resto do mundo uma das maiores tragédias contemporâneas desse país e que, de uma maneira estranha, mantem a memória dos dez adolescentes que não sobreviveram à tragédia. Uma produção para ver e se indignar com a negligência com que esses jovens foram tratados e as múltiplas injustiças sofridas por suas famílias.