quarta-feira , 20 novembro , 2024

Crítica | O Ódio que Você Semeia – Um dos melhores filmes de 2018

YouTube video

Baseado no best-seller homônimo de Angie Thomas, O Ódio que Você Semeia (The Hate U Give) ilumina as notas dos jornais e as estatísticas dos noticiários a partir da perspectiva da jovem Starr Carter (Amandla Stenberg). Ela faz um trajeto de autodescobrimento de seu lugar no mundo, a partir das tragédias da sua vida, e reconhece o poder da sua voz acima das injustiças e o preconceito que a sociedade normaliza para não ter que lidar.

Advindo de um das obras mais tocantes e expansivas sobre o racismo na atualidade, a adaptação cinematográfica mantém a força de sua mensagem, com cenas emocionantes e diálogos poderosos. Para compor um filme conciso, no entanto, a roteirista Audrey Wells (falecida em outubro deste ano) retirou personagens e pontos paralelos de conflito da narrativa, o que suaviza a sua dinâmica, mas não prejudica a história.



Os primeiros minutos de O Ódio que Você Semeia apresenta o ensinamento de Maverick ‘Mav’ Carter (Russell Hornsby) para os seus filhos Seven (Lamar Johnson), Starr e Sekani (TJ Wright), ainda crianças, de como se comportar quando forem parados por um policial. Algo que certamente, a maioria dos pais não ensinaria para os seus filhos, mas quando você é negro e vive em uma comunidade, gueto, favela (qual seja a dominação que os divide do resto da cidade), as lições são completamente diferentes.

A efervescência do filme é exatamente esta divisão, pois ao contrário da grande parte da cinematografia mundial, nos quais o personagem branco entra no meio do “gueto” para fazer mudanças, aqui é Starr que percorre os dois mundos. Como uma adolescente, ela se sente dividida em duas para encaixar-se em ambos ambientes: seu bairro majoritariamente negro e periférico, Garden Heights; e a escolha particular dominantemente branca, Williamson.

Enquanto visualizamos as cenas do seu dia a dia nos corredores assépticos de Williamson, sua voz em off descreve suas palavras e movimentos comedidos, enquanto os outros alunos fazem  exatamente o que vindo dela seria reprovado, por conta da sua cor de pele e origem. Em contrapartida, no fim de semana, ela vai às festas no seu bairro e seu comportamento já não é o mesmo das pessoas em volta, ou seja, ela também não se sente verdadeira ali. Seu conforto entre os dois mundos é namorado Chris (K.J. Apa), uma mistura de compreensão e ternura.

Da perspectiva dos adolescentes, em que o mundo é a escola e o bairro onde vive, Starr encontra-se dividida na vida, mas O Ódio que Você Semeia é mais incisivo do que um ponto de vista social, ele fala da omissão democrática. Após o reencontro com seu amigo de infância e primeira paixonite, Khalil (Algee Smith), numa festa, Starr passa pelo fatídico testemunho do seu assassinato pelas mãos de um policial (Drew Starkey).

Com a missão de soar forte e verdadeiro, o diretor George Tillman Jr., responsável por Homens de Honra (2000), opta por manter a câmera enquadrada no rosto dos atores em diversas cenas, nos trazendo para bem perto dos personagens, principalmente a protagonista Starr. Por meio deste prisma, o diretor destaca que as emoções e os diálogos são as armas poderosas desta história.

Assim, Tillman Jr. conduz com maestria os momentos de medo, raiva, revolta, alegria e fervor dos personagens e do espectador que consegue sentir tudo isso em conjunto. A doçura e aspereza andam lado a lado, o roteiro permite sonhar com analogias a Harry Potter, tanto quanto confrontar a realidade na voz do rapper Tupac, assassinado em 1996.

Revelada no cinema como a pequena Rue, em Jogos Vorazes (2012), Amandla Stenberg está radiante como a protagonista, suas lágrimas são doídas, assim como seus sorrisos são genuínos. Suas cenas com Russell Hornsby são as mais envolventes, os dois estão muito inspirados na relação pai e filha. Hornsby transmite perfeitamente a garra necessária do personagem, assim como todo o elenco.

Como Angie Thomas postulou ao escrever o livro, o clamor por justiça nunca pode ser considerado vitimismo e, muito menos, afronta. A revolta dos personagens é mostrada de forma vigorante e o posicionamento de todos eles são muito bem construídos. Seja no tio Carlos (Common), que resume claramente a abordagem policial diferenciada entre negros e brancos; seja na amiga loira Hailey (Sabrina Carpenter), que julga o mundo inteiro baseada somente até onde sua vista alcança.

Em duas horas de projeção, O Ódio que Você Semeia ensina lições do cotidiano de forma objetiva e contundente, englobando os pontos de união de qualquer ser humano: família, educação e justiça social. A negritude, como ressalta a advogada April Ofrah (Issa Rae), é vista como ameaça e, enquanto a cor da pele de uma pessoa for considerada uma arma, inocentes vão continuar morrendo. É necessário continuar gritando (ou produzindo arte) até que alguém os ouça.

YouTube video

Mais notícias...

Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

Siga-nos!

2,000,000FãsCurtir
372,000SeguidoresSeguir
1,620,000SeguidoresSeguir
195,000SeguidoresSeguir
162,000InscritosInscrever

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

MATÉRIAS

CRÍTICAS

Crítica | O Ódio que Você Semeia – Um dos melhores filmes de 2018

YouTube video

Baseado no best-seller homônimo de Angie Thomas, O Ódio que Você Semeia (The Hate U Give) ilumina as notas dos jornais e as estatísticas dos noticiários a partir da perspectiva da jovem Starr Carter (Amandla Stenberg). Ela faz um trajeto de autodescobrimento de seu lugar no mundo, a partir das tragédias da sua vida, e reconhece o poder da sua voz acima das injustiças e o preconceito que a sociedade normaliza para não ter que lidar.

Advindo de um das obras mais tocantes e expansivas sobre o racismo na atualidade, a adaptação cinematográfica mantém a força de sua mensagem, com cenas emocionantes e diálogos poderosos. Para compor um filme conciso, no entanto, a roteirista Audrey Wells (falecida em outubro deste ano) retirou personagens e pontos paralelos de conflito da narrativa, o que suaviza a sua dinâmica, mas não prejudica a história.

Os primeiros minutos de O Ódio que Você Semeia apresenta o ensinamento de Maverick ‘Mav’ Carter (Russell Hornsby) para os seus filhos Seven (Lamar Johnson), Starr e Sekani (TJ Wright), ainda crianças, de como se comportar quando forem parados por um policial. Algo que certamente, a maioria dos pais não ensinaria para os seus filhos, mas quando você é negro e vive em uma comunidade, gueto, favela (qual seja a dominação que os divide do resto da cidade), as lições são completamente diferentes.

A efervescência do filme é exatamente esta divisão, pois ao contrário da grande parte da cinematografia mundial, nos quais o personagem branco entra no meio do “gueto” para fazer mudanças, aqui é Starr que percorre os dois mundos. Como uma adolescente, ela se sente dividida em duas para encaixar-se em ambos ambientes: seu bairro majoritariamente negro e periférico, Garden Heights; e a escolha particular dominantemente branca, Williamson.

Enquanto visualizamos as cenas do seu dia a dia nos corredores assépticos de Williamson, sua voz em off descreve suas palavras e movimentos comedidos, enquanto os outros alunos fazem  exatamente o que vindo dela seria reprovado, por conta da sua cor de pele e origem. Em contrapartida, no fim de semana, ela vai às festas no seu bairro e seu comportamento já não é o mesmo das pessoas em volta, ou seja, ela também não se sente verdadeira ali. Seu conforto entre os dois mundos é namorado Chris (K.J. Apa), uma mistura de compreensão e ternura.

Da perspectiva dos adolescentes, em que o mundo é a escola e o bairro onde vive, Starr encontra-se dividida na vida, mas O Ódio que Você Semeia é mais incisivo do que um ponto de vista social, ele fala da omissão democrática. Após o reencontro com seu amigo de infância e primeira paixonite, Khalil (Algee Smith), numa festa, Starr passa pelo fatídico testemunho do seu assassinato pelas mãos de um policial (Drew Starkey).

Com a missão de soar forte e verdadeiro, o diretor George Tillman Jr., responsável por Homens de Honra (2000), opta por manter a câmera enquadrada no rosto dos atores em diversas cenas, nos trazendo para bem perto dos personagens, principalmente a protagonista Starr. Por meio deste prisma, o diretor destaca que as emoções e os diálogos são as armas poderosas desta história.

Assim, Tillman Jr. conduz com maestria os momentos de medo, raiva, revolta, alegria e fervor dos personagens e do espectador que consegue sentir tudo isso em conjunto. A doçura e aspereza andam lado a lado, o roteiro permite sonhar com analogias a Harry Potter, tanto quanto confrontar a realidade na voz do rapper Tupac, assassinado em 1996.

Revelada no cinema como a pequena Rue, em Jogos Vorazes (2012), Amandla Stenberg está radiante como a protagonista, suas lágrimas são doídas, assim como seus sorrisos são genuínos. Suas cenas com Russell Hornsby são as mais envolventes, os dois estão muito inspirados na relação pai e filha. Hornsby transmite perfeitamente a garra necessária do personagem, assim como todo o elenco.

Como Angie Thomas postulou ao escrever o livro, o clamor por justiça nunca pode ser considerado vitimismo e, muito menos, afronta. A revolta dos personagens é mostrada de forma vigorante e o posicionamento de todos eles são muito bem construídos. Seja no tio Carlos (Common), que resume claramente a abordagem policial diferenciada entre negros e brancos; seja na amiga loira Hailey (Sabrina Carpenter), que julga o mundo inteiro baseada somente até onde sua vista alcança.

Em duas horas de projeção, O Ódio que Você Semeia ensina lições do cotidiano de forma objetiva e contundente, englobando os pontos de união de qualquer ser humano: família, educação e justiça social. A negritude, como ressalta a advogada April Ofrah (Issa Rae), é vista como ameaça e, enquanto a cor da pele de uma pessoa for considerada uma arma, inocentes vão continuar morrendo. É necessário continuar gritando (ou produzindo arte) até que alguém os ouça.

YouTube video
Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

Siga-nos!

2,000,000FãsCurtir
372,000SeguidoresSeguir
1,620,000SeguidoresSeguir
195,000SeguidoresSeguir
162,000InscritosInscrever

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

MATÉRIAS

CRÍTICAS