Uma plataforma de petróleo em algum lugar entre o Rio de Janeiro e Santos. Um acidente misterioso, que prejudica o líder do grupo. Um homem que se dá muito bem com os colegas de trabalho, até haver a disputa pelo cargo de gerente de estação. Este homem tem uma esposa, filhos, uma boa casa em terra, e pais com quem se relaciona, mas também tem uma amante e diversos problemas com os quais deve lidar. Parece o mote da série ‘Ilha de Ferro’, mas é, na verdade, o argumento do longa ‘O Olho e a Faca’.
Com direção de Paulo Sacramento ( ‘Amarelo Manga’), o longa tem um aspecto confuso, ora contando a vida embarcado na plataforma de petróleo, ora contando os desdobramentos que Roberto (Rodrigo Lombardi) tem que fazer nos poucos dias em que passa em terra, dividindo-se entre o convívio com a esposa, com a amante e com os pais. Essa aparente confusão da trama tem uma explicação linguística: a expressão “o olho e a faca” tem o mesmo significado de outras expressões similares como “um olho na faca e outro no queijo” ou “sangue nos olhos, faca nos dentes”, e todas elas significam a mesma coisa – ao mesmo tempo em que se presta atenção em uma coisa, se deve estar atento à outra.
Se partirmos desse princípio, então, sim, o filme faz todo sentido, contemplando com requintes alegóricos a rotina de quem vive embarcado, cujo sentimento constante de não pertencimento acompanha tanto em terra quanto em mar. Para aqueles que trabalham nas plataformas, ficar duas, três semanas isolados da realidade para ficar cada vez mais tempo numa realidade paralela é um desafio que, com o passar do tempo, vai ficando cada vez mais difícil de superar. Aos poucos as vidas vão se misturando, a paranoia vai batendo e torna-se impossível se sentir bem em qualquer lugar.
Rodrigo Lombardi comprova que é competente para conduzir o protagonismo de um longa, mas sua caracterização em Roberto remete muito ao seu trabalho realizado em ‘Carcereiros’, ainda em exibição na Rede Globo. Na verdade, a sensação que se tem é que o longa é um prolongamento da série, como se o Adriano de ‘Carcereiros’ tivesse mudado de emprego. Para quem curte a série, o filme será uma boa pedida.
Com um grande elenco – Débora Nascimento, Luís Mello, Caco Ciocler, Maria Luísa Mendonça, Roberto Birindelli, etc –, o longa foca quase em sua totalidade apenas no protagonista, o que deixa um gostinho de quero mais com relação aos outros atores. Destaque para Birindelli, não só por ter mais falas, mas por conseguir transparecer a virada de seu personagem de maneira inesperada.
O som do filme é realmente incrível, além de uma belíssima fotografia da plataforma de petróleo (olhando pelas lentes do longa, parece realmente um lugar lindo, com vista privilegiada do pôr e do nascer do sol diariamente). A combinação de som e fotografia consegue transportar o espectador para dentro daquele ambiente, e funciona tão bem, que algumas cenas tiveram que ser dubladas, tamanho o barulho do funcionamento dessa engrenagem.
Em considerarmos toda essa alegoria que elencamos aqui, parece mesmo que ‘O Olho e a Faca’ faz um retrato emocional do cidadão comum que trabalha embarcado numa plataforma de petróleo, que, em determinado momento perde o referencial de realidade, mistura sonho e fantasia, amigo e inimigo, trabalho e descanso, culminando num surto psicótico na busca pela estabilidade, que, com o constante balançar do mar, força Roberto a reaprender a olhar.