Edgar Allan Poe é um dos escritores mais conhecidos e influentes de todos os tempos e é um dos grandes responsáveis por eternizar o gênero gótico na literatura mundial. Nascido nos Estados Unidos, Poe publicou diversos textos, incluindo poemas e contos, que exploravam o macabro e as tendências românticas que dominavam a época em que vivia – como, por exemplo, “O Corvo” ou “A Queda da Casa de Usher”, este já confirmado a ganhar uma adaptação antológica pela Netflix. Agora, a gigante do streaming lança em seu catálogo o ambicioso suspense de época ‘O Pálido Olho Azul’, em que Poe se consagra como um dos principais personagens.
Baseado no romance homônimo de Louis Bayard, o enredo é centrado no detetive Augustus Landor (Christian Bale), que, em 1980, viaja para West Point, em Nova York, para investigar uma série de assassinatos assombrosos que colocam em xeque a reputação e a segurança da Academia Militar dos Estados Unidos. Ao chegar lá, Landor se alia a um dos cadetes locais, Poe (Harry Melling), para encontrar pistas acerca de quem pode estar por trás dos crimes. Entretanto, o detetive descobre que as coisas são muito mais complicadas do que parecem quando ele compreende que os homicídios são apenas o primeiro passo de um plano ainda mais macabro.
A produção parte de fórmulas que já vimos em diversas investidas do gênero – e que aparecem em vários aspectos, desde o mote narrativo até as incursões imagéticas. O diretor e roteirista Scott Cooper tenta imprimir uma visão original na obra, mas se vê rodeado de obstáculos que impedem seu desejo de se concretizar por completo. Logo nas primeiras cenas, é possível traçar paralelos entre a sinistra atmosfera de ‘Olho Azul’ com a vista em ‘A Mulher de Preto’ ou o subestimado ‘A Lenda de Sleepy Hollow’ – ora, os cenários grotescos e a presença constante da névoa nos remetem inclusive à carreira do icônico Emmanuel Lubeszki e seu tato infindável para construções mais teatrais. Entretanto, enquanto o filme poderia não se levar a sério, parece dar um passo a mais do que consegue e acaba morrendo na praia ao se afogar no próprio convencionalismo.
O primeiro ato do longa se arrasta mais do que deve, mas é ofuscado pelo elenco de ponta – que traz as caras de Gillian Anderson, Timothy Spall, Toby Jones, Lucy Boynton e vários outros. Bale faz um sólido trabalho ao encarnar o problemático detetive, mascarando as verdadeiras intenções e um traumático passado que o deixa alheio a certas obviedades; entretanto, é Melling quem rouba os holofotes, fomentando uma carreira recheada de performances aplaudíveis (é só nos recordamos da recente minissérie ‘O Gambito da Rainha’, por exemplo). Sua atuação traz muito da essência dicotômica entre o Poe escritor e o Poe indivíduo – refletindo sua paixão tanto pelo fúnebre quanto pela vida -, e mesmo as falas mais banais ganham um peso a mais quando proferidas pelo astro.
Toda a ideia por trás da obra é muito interessante e que se sustenta por boa parte. Há uma certa sensação de angústia que se apossa do desenrolar dos eventos e que, cena a cena, ganha uma nova camada: Landor e Poe, procurando pistas para cumprirem com o acordo, percebem que há pessoas movidas à mentira e à hipocrisia – incluindo a jovem Lea (Boynton), que sofre de uma doença que poderia tê-la matado há anos. A verdade é que Lea, tendo em posse um livro de ocultismo, resolveu se aliar ao irmão, à mãe e ao pai para coletar ingredientes para um sangrento ritual que lhe daria alguns anos de vida a mais. O problema é que Lea resolve se aproveitar da personalidade ingênua e altruísta de Poe para enganá-lo e transformá-lo na última peça do quebra-cabeça – e essa seria uma saída inteligente e satisfatória, se Cooper não resolvesse seguir adiante com o roteiro.
Para além da primeira reviravolta, o cineasta resolve apostar fichas em um arco de resolução para Landor, em que ele resolve se vingar dos algozes que causaram o suicídio da filha, Mattie (Hadley Robinson). Poe coloca em xeque a própria amizade de que nutria com o detetive para descobrir a verdade – que os assassinatos haviam sido cometidos por ele, não pela família de lunáticos. Mas, se Cooper pensava que essa sacada seria uma boa adição ao longa-metragem, não é isso o que sentimos conforme os créditos sobem nas telas; pelo contrário, somos engolfados em uma frustração que consegue ser ainda mais forte que os pontos positivos.
‘O Pálido Olho Azul’ é uma desequilibrada e desconcertante jornada pelo sobrenatural e pela cegueira humana que funciona em partes e deixa a desejar nos principais elementos. Mas, se você não se importa com isso, o filme vale a pena por Bale, Melling e pelo caráter nostálgico com a que se ordem.