No centro da bandeira brasileira há uma frase que diz “ordem e progresso”. O lema, que buscava inspirar e encorajar os cidadãos do país, em outras palavras também diz que, sem ordem, não há progresso. Já a Revolução Francesa tinha como lema a frase “igualdade, fraternidade e liberdade”, que inspirou milhares de estudantes e trabalhadores a lutar contra o sistema absolutista no século XVIII. Desde as primeiras sociedades civis, desde que as pessoas começaram a se juntar em grupos, houve-se a necessidade de se criar regras, leis, normas para que o convívio se tornasse minimamente aprazível para o grupo. Todos os animais da Natureza vivem sob regras – de sobrevivência, de liderança, de hierarquia. Esse é o mote de ‘O Poço 2’, continuação do filme homônimo que virou fenômeno na Netflix no primeiro ano da pandemia.
Perempuán (Milena Smit, de ‘Mães Paralelas’) acaba de se candidatar para entrar no Poço. Ela precisa de tempo para esquecer, para perdoar, para seguir adiante e, por isso, acredita que passar uma temporada naquele lugar a ajudará a refletir sobre sua vida. Logo no primeiro dia ela conhece Zamiatin (o Bogotá de ‘La Casa de Papel’), seu companheiro de cela, e, já no primeiro dia a comida que pediram chega faltando – culpa de revoltosos nos andares de cima. Zamiatin fica enfurecido e quer comer o que deseja, porém, Robespierre (Bastien Ughetto, de ‘Adeus, Idiotas’) lhes informa as Leis do local: cada um deve comer apenas o prato que lhe é destinado, ou, do contrário, os andares mais baixos ficarão sem comida e em pouco tempo isso causaria barbárie e desordem. Aos poucos, Perempuán e Zamiatin vão percebendo que as Leis existem por um motivo, mas que, nem sempre, elas estão ali para beneficiar a todos.
Assim como no longa anterior, absolutamente nada é por acaso em ‘O Poço 2’. A protagonista, por exemplo: Perempuán significa “mulher” em indonésio, o que já implica uma grande mudança com relação ao anterior, focado nos homens. O personagem que anuncia as leis do Poço se chama Robespierre – político e líder do governo francês que, após a Revolução, implementou uma ditadura de controle e de segurança, tendo prendido mais de 500 pessoas, e cujo período de governo ficou conhecido na História como Período do Terror. E é a partir do anúncio das Leis no enredo que se instaura o período de terror no filme.
Se por um lado o roteiro de David Desola, Galder Gaztelu-Urrutia, Egoitz Moreno e Pedro Rivero é muito inteligente em trazer esses emblemas políticos para criticar os muitos sistemas políticos (há uma cena de “revolução” em que literalmente há personagens levantando uma foice e um martelo), por outro é um desfile de críticas a todos os sistemas, sem apresentar nem motivo, nem solução, nem saída, nem esperança. Em outras palavras, é fácil critica o sistema, sem trazer nenhuma alternativa. Sobra também críticas à religião e ao sistema jurídico – afinal, quem, senão Deus e a justiça dos homens, para dizer o que é certo e errado? Não à toa, o personagem que incorpora essa carga é um sujeito esteticamente parecido com Jesus, porém, teve seus olhos arrancados e, portanto, é cego, como a justiça é – ou seria.
‘O Poço 2’ se dedica a criticar todo sistema de controle e de sociedade, mas esquece de construir uma história envolvente ou personagens cativantes para conquistar o espectador. Nem mesmo a presença dos protagonistas anteriores conseguem ajudar no nosso envolvimento. Com cenas de violência explícita, principalmente contra o corpo da mulher, há momentos bastante desconfortáveis neste ‘O Poço 2’. Um filme controverso, que não é de fácil digestão.