O gênero documentário, no geral, tem como objetivo contar a verdade, seja absoluta ou manipulada, afinal, a partir do momento em que se coloca a lente de uma câmera sobre um objeto e o documenta, automaticamente sua realidade está sendo alterada, certo? Sendo assim, como então ser honesto à história e relatar exatamente o que aconteceu em um dos momentos mais importantes de um país? Simples, fazendo ‘O Processo’.
A diretora Maria Augusta Ramos teve a difícil (para não falar iluminada!) tarefa de desenvolver um documentário que mostrasse a realidade e os bastidores do que levou ao processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que durou de 2015 à agosto de 2016, de forma não-imparcial, afinal, sua visão para os fatos é única e exclusivamente para expressar o golpe de estado que o país sofreu e como foi articulado minuciosamente. Difícil e ousado, definitivamente.
Desde seu primeiro segundo em tela, o documentário já mostra de qual lado irá ficar, mas não necessariamente defender, quer agrade à todos ou não, seu objetivo fica claro ao longo das cenas gravadas: “muito do que a mídia mostrou na época pode não ter revelado o que você vai assistir”. E nesse embalo, somos levados à um trabalho preciso, dedicado e muito atencioso de direção, que ressalta cenas cruciais e encaixa perfeitamente os planos captados com as importantes imagens de arquivo, manipulando de forma positiva o que o espectador deve de fato enxergar na história.
As cenas gravadas acrescentam à obra um tom de realidade, concedendo momentos de silêncio necessários, e explicando a cronologia dos fatos através do bom uso de cartelas. Nenhuma cena é espetacular, e nem foram feitas para ser, afinal, a trama já é um monumento por si só. Com isso, a diretora escolhe filmar pequenos planos de estabelecimento e perfeitas metáforas visuais, como a interessante cena do achocolatado envolvendo a advogada Janaína Paschoal, que inclusive “estrela” os momentos mais cômicos e ridículos das gravações.
Ao longo da trama, a risada acaba sendo inevitável, assim como a sensação de raiva e constrangimento. As emoções são levadas ao extremo e nos pegamos aflitos. A falta de entrevistas, diferente de um documentário convencional, torna tudo mais honesto. Aqui, somos como uma pequena mosquinha viajando de sala em sala dentro do Congresso Nacional, observando cada detalhe possível e reformulando os fatos. Essa desconstrução do gênero cria o modelo essencial que a história precisava. Um triunfo desenvolvido na construção do roteiro.
Porém, a maior conquista fica por conta das imagens icônicas de políticos de todos os partidos, expressando suas opiniões sobre os acontecimentos e votando “sim” ou “não” para o impeachment. Maria Augusta Ramos eternizou suas vozes e decisões de uma forma que talvez ninguém antes tenha feito e provando, mais do que nunca, quem possui a sanidade para representar um povo.
Quando essa história polêmica é contada na mídia, até os dias de hoje, existe um cuidado de se manter imparcial, não defender nem a direita e nem a esquerda, mas aqui é diferente e, por isso, tão essencial. Já se esgotou o tempo de se manter em cima do muro. Talvez por isso o documentário tenha despertado a curiosidade de pessoas de outros países e tenha se destacado em festivais como Berlim e Cannes.
No fim das contas, ‘O Processo’ se torna uma obra histórica, com toda sua contemporaneidade, daqueles filmes que serão exibidos nas escolas quando a hora certa chegar. E há de chegar. Afinal, a mentira tem perna curta e a verdade sobrevive através do tempo para ser documentada em um filme como este, que busca te fazer refletir, não apenas sobre a queda de um partido político, como muitos irão enxergar, mas também sobre a essência de um país.