A única certeza que podemos ter na vida é que um dia vamos morrer. Invariavelmente, isso ocorrerá com todos nós, cedo ou tarde. O que fazemos com o tempo que temos, entre o momento que nascemos até nosso último suspiro, isso sim é o que importa. Muitos trabalham, se relacionam com outras pessoas, estudam, viajam, experimentam coisas novas. Essa percepção da finitude do tempo tem rondado muito a cabeça do diretor espanhol Pedro Almodóvar, cujo tom vem se imprimindo em seus últimos trabalhos e agora, com ainda mais evidência, em ‘O Quarto ao Lado’, seu mais novo longa-metragem.
Ingrid (Julianne Moore, de ‘Longe do Paraíso’) hoje é uma escritora renomada e está numa livraria fazendo seu lançamento quando inesperadamente tem notícias de Martha (Tilda Swinton, de ‘Precisamos Falar Sobre o Kevin’), sua amiga de infância a quem era muito ligada e cuja parceria seguiu para vida adulta, quando trabalharam juntas numa revista. Então, Ingrid decide visitar Martha no hospital, querendo retomar a amizade perdida no tempo. À medida que as visitas se repetem e a cumplicidade é reestabelecida, um pedido inesperado de Martha surpreende Ingrid, o que fará com que ela reflita não só sobre essa amizade, mas também reavaliará sua própria vida.
A partir desse ponto fica difícil avaliar ‘O Quarto ao Lado’ sem dar spoilers – principalmente um spoiler central que é o catalizador dos eventos (estejam avisados!), que é o fato de Martha convidar Ingrid para uma casa no campo, onde as duas passarão os últimos dias de vida de Martha, pois, lá, ela pretende se matar, pois não aguenta mais seu câncer cervical e gostaria de ter a companhia da amiga, pois lhe traria conforto a ideia de ter a amiga no quarto ao lado.
O roteiro de Pedro Almodóvar com Sigrid Nunez tem um argumento simples, sem grandes acontecimentos, e que se apoia cem por cento em diálogos – o que significa que para o filme dar certo necessariamente precisaria de duas atrizes fenomenais para dar conta do recado. E consegue. Tilda e Julianne estão afiadíssimas, crescendo junto com os personagens à medida que suas fortalezas vão sendo derrubadas no enredo. Apoiado nos diálogos, o roteiro cuidadosamente pensa exatamente os pontos de maior emoção (que fazem o espectador quase prender a respiração, tamanha a inteligência das falas) e quando achamos que tudo vai explodir, o roteiro insere um momento de humor para quebrar o clima e fazer a gente soltar o ar. Isso acontece umas três vezes ao longo do filme, demonstrando a genialidade dos roteiristas.
Mesmo mantendo a cenografia de arte contemporânea e os tons fortes na paleta de cores da direção de arte, o que chama a atenção nesse ‘O Quarto ao Lado’ é o tom extremamente melancólico que atravessa o filme.
Tendo já anunciado que iria parar de filmar e que nunca faria filmes em outras línguas, Almodóvar, hoje aos 75 anos, já produziu quatro projetos desde esse anúncio, e todos em inglês. A sensação é a de que, de repente, o diretor se deu conta da idade, da passagem do tempo, e essa percepção sobre a vida – ou melhor, sobre a proximidade da morte – passou a, desde então, permear todas as suas produções, direta ou indiretamente. As dores físicas (principalmente na coluna), as limitações do corpo, o olhar sobre a juventude alheia, o desinteresse por coisas que talvez não termine (como ler um livro), o acerto de contas com o passado e as declarações emotivas a quem se tem afeto: comportamentos daqueles que têm pouco tempo de vida e que vêm permeando os filmes do cineasta espanhol, chegando ao seu ápice em ‘O Quarto ao Lado’.
Triste, melancólico e inevitável, ‘O Quarto ao Lado’ é a despedida definitiva de Pedro Almodóvar, mesmo que não seja uma despedida oficial. Um filme que fala muito sobre seu diretor, ainda que sob a roupagem de querer falar sobre outros temas.