As mais sangrentas disputas na história da humanidade têm a religião como elemento catalizador. Disputas de território, de verdade absoluta, de ponto de vista, de sobreposição cultural – movimentações realizadas em nome de uma ou mais crenças que, por suas próprias razões, se achavam superiores às demais. Os mais de dois mil anos do homem na Terra comprovam que, até os dias de hoje, essas desavenças seguem acontecendo. Na gerência dessas doutrinas, seguem até hoje episódios e elementos ocultos acerca de atrocidades cometidas em nome de uma dada fé. Exemplo disso é a igreja católica, que, durante os sombrios anos da Idade Média, cometeu aleatoriedades em nome de sua própria fé, cujos impactos e histórias até hoje ainda são desconhecidas, em sua maioria, pelas pessoas. Mas agora um desses episódios chega aos cinemas, através do filme ‘O Sequestro do Papa’, estreia da semana no circuito exibidor.
Salomone Mortara (Fausto Russo Alesi) e sua esposa Mariana Mortara (Barbara Ronchi) são um casal judeu que vive com seus muitos filhos em uma área de classe média do interior da Itália. Em meados do século XIX, durante uma noite, o casal teve sua casa invadida por autoridades policiais que alegavam ter comprovações de que um dos filhos do casal, Edgardo (Enea Sala), apesar de fazer parte de uma família judia, teria sido batizado no Catolicismo pela sua então babá, Anna (Aurora Camatti), e agora, por causa dessa suposta conversão, a Igreja Católica, através de ordens dadas pelo Papa Pio IX (Paolo Pierobon), reivindicava o menino para ser levado à cidade, para tornar-se padre. Diante do absurdo e da violência com que Edgardo é arrancado do seio familiar, seus pais iniciam uma luta sem fim, que duraria anos, para poder trazer o filho de volta à casa.
Escrito por Marco Bellocchio, Susanna Nicchiarelli, Edoardo Albinati e Daniela Ceselli, o roteiro baseia-se no “caso Mortara”, redigido por Daniele Scalise, que se inspira no evento real do sequestro de uma criança judia pela Igreja Católica sob o argumento de ter sido batizada e que, portanto, tal ação se sobreporia à fé original da família e até mesmo à família em si. Diante de histórias como essas, nós, espectadores, percebemos que a ficção não consegue ser tão cruel quanto as histórias reais que vivemos.
Partindo desse episódio real (ao qual somam-se tantos outros, desconhecidos do público), o roteiro se desdobra em muitas frentes e, portanto, acaba se prolongando por demais, construindo uma produção de duas horas e quinze de duração. Nesse sentido, o diretor Marco Bellocchio deveria ter dado uma enxugada no drama para imprimir dinamismo à história, uma vez que acompanhamos o menino dos seis anos à maioridade, passando pela disputa judicial, o incidente diplomático que o episódio se torna e a ruína familiar que tudo isso causa, em paralelo com os aprendizados e a diária doutrinação do menino à conversão forçada ao cristianismo. Com tantos elementos num espaço tão largo de tempo, a redenção final acaba soando quase forçada, tão abrupta que chega.
Ainda que com uma construção parcial e ampla, ‘O Sequestro do Papa’ joga luz sobre mais um episódio sombrio das arbitrariedades cruéis que os seres humanos fazem em nome de uma religião. Um filme que levanta a reflexão, sobre o passado e o presente da humanidade.