Discurso Pacifista
Um dos maiores representantes de nosso país em terras estrangeiras, quando o assunto é entretenimento e arte, atende pelo nome Carlos Saldanha. E ao contrário de qualquer outro artista que desenha (com o perdão do trocadilho) seu nome no imaginário internacional participando em qualquer grau de obras cinematográficas, Saldanha se especializou justamente em animações, aquele gênero de filme mirado para toda a família, mas especialmente para os pequenos.
Mesmo que você não ligue o nome à pessoa, certamente já ouviu falar, mesmo que através de algum pimpolho próximo, nas franquias criadas por este midas tupiniquim. Entre elas se encontram A Era do Gelo e Rio. O brasileiro, no entanto, já viu seu trabalho não atingir o esperado e fracassar, com Robôs (2005), afinal ainda é humano. Com todos seus filmes lançados pela Blue Sky Studios, braço de animação da Fox (que muito em breve estará nas mãos da Disney – leia sobre a aquisição do estúdio), da qual o artista faz parte, Saldanha lança agora este O Touro Ferdinando, mais uma vez à frente do projeto na direção.
Criado em 1936 na forma de um livro infantil de enorme sucesso e vencedor de diversos prêmios para obras na categoria, pelo autor Munro Leaf, e com ilustrações de Robert Lawson, a trajetória do touro cordial e pacifista migrou para o cinema em 1938, como um curta em animação da Disney, que saiu vitorioso dos prêmios da Academia, com um Oscar na categoria. Com esta jornada de sucesso através de muitas décadas, que ainda inclui diversas citações em variadas mídias, como quadrinhos, desenhos, músicas e filmes, o touro manso se vê diante de seu maior desafio: se mostrar relevante e conquistar um novo público (muito difícil), após um hiato gigantesco de ausência na cultura pop.
Se depender do resultado deste seu mais recente filme, o caminho está favorável. Nesta produção de mais de US$100 milhões, Ferdinando é um bezerro diferente dos outros. Num rancho da Espanha, touros são criados e treinados para serem vendidos às touradas, uma das mais cruéis tradições de qualquer país, ainda em vigor. Os touros que não se adaptam são vendidos para o açougue, prontos para o abate. No meio desta selvageria – que faz parte de nossa rotina sem que sequer nos demos conta – encontra o adorável Ferdinando, um bezerro sensível, que ama flores e protesta contra a violência.
Ainda na infância, o protagonista consegue fugir de seu cativeiro, e cresce para se tornar uma criatura robusta e imponente, mas ao lado de uma família carinhosa, que o trata como membro especial, em sua fazenda. Mas a jornada do grandioso animal não chega ao fim ao se estabelecer em seu novo lar, e devido a um erro de julgamento, seu caminho irá cruzar novamente com seus antigos donos, antigos colegas e rivais, e com o mundo sangrento das touradas.
O Touro Ferdinando é a típica história do patinho feio, do underdog (o azarão) que contra todas as probabilidades e seguindo puramente seus instintos e seus ideais, ousa triunfar mostrando que não existe nada errado em ser diferente. Muito pelo contrário, são justamente os que sonham e se arriscam a ir na contramão que conseguem se destacar. Uma bela e digna mensagem para a garotada nesta época de diversidade, onde ser diferente precisa ser respeitado.
Apesar de não ter a urgência ou relevância de animações como as da Disney, as produções da Blue Sky e de Saldanha atingem a nota certa, mesclando cenas verdadeiramente engraçadas, nas quais o humor funciona também para os adultos, e momentos emotivos. Além, é claro, de uma parte técnica que, aí sim, não fica devendo nada para os maiores estúdios do ramo. Entre os dubladores, as vozes de John Cena e Kate McKinnon, como o protagonista e sua amiga cabra Lupe, respectivamente, são as mais conhecidas. Na dublagem nacional, Thalita Carauta vive Lupe, e o elenco conta ainda com Maisa Silva e Otaviano Costa.