Um fim de tarde em 19 de abril de 1989. Um grupo de aproximadamente 40 jovens e adolescentes se reúne espontaneamente para dar uma volta no Central Park, em Nova York. Poderia ser apenas um grupo jovem se divertindo juntos, correndo, pulando e brincando pelo parque, não fosse um detalhe: eram todos negros. Esse foi o ponto fundamental para a sequência de tragédias que decorrerem naquela noite. Na mesma noite, Patricia Meilli, uma moça branca, foi correr no parque, porém, foi atacada e estuprada, sendo deixada inconsciente no mato. Desesperados para concluir este caso – que feria o cartão-postal de Nova York –, a polícia do 24º batalhão decide arbitrariamente deter cinco jovens negros, com idade entre 14 e 16 anos, e decretá-los culpados pelo crime, mesmo sem provas.
Se este cenário já não é suficiente para causar indignação, prepare-se, porque piora. Ao serem conduzidos para a delegacia, os cinco rapazes – Antron, Korey, Yusef, Raymond e Kevin – são interrogados isoladamente e sem a presença de um responsável adulto. Aproveitando-se da inocência dos meninos, os investigadores os agridem, ameaçam e, por fim, os forçam a confessar um crime que não cometeram, induzindo-os a gravar em vídeo a confissão. Assim, os cinco menores de idade são julgados em um tribunal cujo resultado já fora previamente decidido (e que o espectador já adivinha, pela evolução dos fatos, ou simplesmente já sabe, uma vez que a história é baseada em fatos reais). Ainda assim, o desenrolar dos fatos faz o espectador querer intervir naquilo que está assistindo.
A construção narrativa elaborada por Ava Duvernay (que dirigiu, roteirizou, argumentou e produziu a minissérie) é angustiante, sufocante e, ao mesmo tempo, simples. Ela conseguiu equilibrar a inocência juvenil com o peso da injustiça, contrastando com maestria a vida antes e depois do episódio. Boa parte do resultado obtido também é mérito da edição, pois cada episódio foi editado por um profissional diferente, sendo que o 2º e o 4º foram feitos pela mesma pessoa (talvez por isso sejam os mais intensos).
O elenco mirim se sobressai com louvor, afinal, não é fácil conseguir manter aqueles olhinhos de filhote diante do horror que se desenvolve na trama. Palmas para Caleel Harris, Marquis Rodriguez, Asante Blackk, Ethan Herisse e, especialmente, a Jharrel Jerome, que interpreta Korey jovem e adulto. Destaque também para a dupla Felicity Huffman e Vera Farmiga, completamente odiáveis em seus papéis – e, por isso mesmo, merecem aplausos. Também é bacana ver o resgate de Joshua Jackson (que fez muito sucesso em ‘Dawson’s Creek’), no papel de um dos advogados da defesa, quase irreconhecível.
‘Olhos Que Condenam’ é uma minissérie de apenas quatro capítulos, mas sua potência avassaladora eleva a adrenalina a mil. Produzido por Oprah e por Robert De Niro, é uma dessas histórias de injustiça que aconteceram trinta atrás, mas que continuam acontecendo. Aconteceu em Nova York, mas igualzinho acontece todos os dias no Rio de Janeiro, em Manaus, no Paraná… A discriminação racial é ainda um dos maiores fatores para a acusação arbitrária, e a série se apropria de uma história real para apontar o quanto a sociedade pouco evoluiu. Nesse sentido, vale, inclusive, reparar que mesmo no período do cárcere, apenas as mães participam do apoio aos filhos, pois diante da dificuldade, os pais desaparecem. Essas são realidades dolorosas e, infelizmente, não é exclusividade dos Estados Unidos.
Nas atribuições das culpas e na busca pela verdadeira justiça, sobra (acreditem se quiser!) até mesmo para o então “apenas” magnata Donald Trump, que na época financiou uma campanha de marketing pela retomada da pena de morte nos Estados Unidos. Como foi dito, é só olhar ao redor e entender que nada mudou.
Para quem ficar interessado em se aprofundar no assunto, há o documentário de 2012, ‘The Central Park Five’, e também o vídeo de entrevista da Oprah Winfrey com o elenco e com os verdadeiros “Cinco Exonerados” (como passaram a ser chamados), que entra como sugestão da Netflix logo após o fim do último capítulo.
‘Olhos Que Condenam’ no original se chama ‘When They See Us’ – algo como “quando eles nos veem”. O deslocamento semântico do sujeito tem fundamento, afinal, o “nós” da frase é toda a comunidade negra que é constantemente ignorada e/ou excluída no dia a dia, mas, quando é vista, é para ser acusada. Por outro lado, também tem um tom de esperança, pois também tem um tom de futuro: “quando eles nos virem” – ou seja, quando a sociedade finalmente reparar nesses meninos, nessa comunidade, quem sabe então a verdadeira justiça seja feita. É o que a sociedade continua esperando.