Filme assistido durante o Festival de Sundance 2025
Muito pouco nos é revelado a respeito do que nos trouxe àquele momento, em que um pai acorda seus filhos na primeira hora da manhã para pegar a estrada. Nem os pequenos e nem nós sabemos os detalhes que os levam a essa inesperada e indesejada aventura pelas estradas norte-americanas. Mas observando os sinais elementais que norteiam esses primeiros cinco minutos de filme, conseguimos entender que algo está acontecendo. Paira no ambiente a sensação de que uma extensa rachadura está chegando em seu ponto de ruptura. O ar é denso e nem mesmo a inocência de duas adoráveis crianças é capaz de minimizar os danos que gradativamente surgem. E assim começa o fim de uma história.
Lançado no Festival de Sundance, Omaha é um “road trip movie” às avessas, que rapidamente nos envolve na jornada de uma família – marcada por uma tragédia, que se apega aos últimos instantes de plenitude que lhes restam. E John Magaro é quem nos conduz por essa quase 1h30 de filme. Uma força da natureza que tem provado seu talento e habilidade de escolher papéis complexos e intrigantes, ele navega na indústria como quem sabe o tipo de carreira que quer construir. Depois de Vidas Passadas e Setembro 5, ele faz de Omaha uma entrada à versão mais profunda e dolorosa de si mesmo e se faz frágil em tela para entregar um personagem forte, preso em uma encruzilhada que pai nenhum no mundo deveria enfrentar.
E no silêncio de uma performance profunda e dolorosa, Magaro nos diz tudo o que precisamos saber sobre sua luta como pai desempregado, a partir de seus inchados olhos vagantes, que refletem um homem preso em seus pensamentos, pavores e aflições. Tudo é capturado meticulosamente pelo estreante Cole Webley, que toca a direção de Omaha como o regente de uma orquestra sinfônica, que conduz e direciona aquilo que já há de melhor nos talentos que tem em mãos. Por sua ótica diretorial e exímia abordagem do roteiro de Robert Machoian, o drama familiar é capaz de unir um universo de fatores socioeconômicos reais e práticos à complexidade de uma relação familiar que não pode ser reduzida a dados e estatísticas.

Transformando uma temática totalmente documental em um apelo dramático que nos atinge no âmago da alma, Machoian faz de Omaha uma viagem sinestésica, onde a dinâmica de seus personagens e as miudezas da beleza de ser família se materializam como argumento narrativo, dispensando a necessidade de longos diálogos, extensos monólogos e explicações enfadonhas. Contando sua história por meio da relação entre pai e filhos, o roteirista consegue nos levar por uma experiência muito mais imersiva e profunda, permitindo ainda que enxerguemos um mundo de possibilidades pela encantadora visão de duas crianças, vividas brilhantemente pelos pequenos Molly Belle Wright e Wyatt Solis.
Enquanto a inocência pueril de Charlie (Solis) o impede de enxergar aquelas rachaduras que só aumentam a cada novo quilômetro conquistado dessa viagem de carro, a perspicácia de Ella (Wright) a torna a grande observadora de tudo. Reticente e invariavelmente tomada por um constante estado de alerta, ela e seus olhos analísticos percebem cada suspiro profundo e cada movimento conflitante de seu pai. Como aquela que nos ajuda a compreender como o sentimento de abandono é percebido pela doce inocência infantil, ela também se torna o núcleo emocional de todo o filme.
E por seus 83 minutos de duração, Omaha nos conduz em uma jornada sobre perdas, aliviando seus momentos mais sombrios com a simplicidade apaixonante de seus pequenos protagonistas. Uma aventura dolorosa sobre as agruras de uma família abandonada pelo sistema, o longa lançado no Festival de Sundance não nos promete o final que desejamos, mas nos entrega uma jornada agridoce transformadora, à medida em que nos convida a entender a América por aquelas mesmas rachaduras que muitas vezes ela ajuda a criar. Sob uma fotografia solar que tenta diluir a densa atmosfera que nos embala do começo ao fim, o drama de Webley e Machoian é ainda uma experiência inquietante e ensurdecedora, que ao nos arrebatar em seu conto elucidativo, expressa toda sua dor não pelo falar, mas pela profunda tristeza de um único olhar.
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