quinta-feira, abril 25, 2024

Crítica | Onde Está Meu Coração joga bem com a emoção e grandes atuações

No primeiro episódio de ‘Onde Está Meu Coração’, a fotografia e a direção de arte deixam claro que o isolamento e a solidão de Amanda estão no centro de seu problema com o abuso de substâncias. Os planos abertos, com a protagonista solitária e distante ao fundo de um corredor vazio, ilustram que seu retraimento vem de uma necessidade de curvar-se sobre si mesma em busca de proteção, a defesa sempre pronta para agir até mesmo contra aqueles que querem invadi-la para ajudar. As relações com as pessoas à sua volta — isto é, os membros da família — pautam todos os conflitos da série, embora a conexão entre tantas subtramas seja preterida em prol do espetáculo emocional da atuação de Letícia Colin.

Médica de classe média de São Paulo, Amanda é cruzada o tempo todo por relações antagônicas. O casamento com Miguel (Daniel de Oliveira) é ao mesmo tempo doce, quente e esterilizado — o aspecto frio e vazio da casa, cheia de espaços não-preenchidos, reflete o tom monossilábico do relacionamento. O mesmo vale para os seus pais e sua irmã, comedidos, atravessados por dores e desavenças que ficam não-ditas na esperança vã de que desta forma desapareçam. 

‘Onde Está Meu Coração’ não perde tempo e vai direto ao ponto, com o primeiro episódio partindo do vício já estabelecido, e David (Fábio Assunção) e Sofia (Mariana Lima) tentando levar a filha para uma clínica para tratamento de reabilitação. Sem julgamentos, a série escolhe não dedicar muito tempo explicando a evolução do relacionamento de Amanda com entorpecentes — fazendo sua dor não ser algo vangloriado ou particularmente especial. Sabiamente, a atração diz no subtexto que pode acontecer com qualquer um, que o processo entre se acreditar no controle da situação e se perder completamente é sempre o mesmo. Quando a conhecemos, Amanda já está assim, sem que ela perceba. Não é por acaso.

A partir de um internamento compulsório e disputas de poder, sobretudo entre Miguel e David, Amanda se torna uma espécie de peão no jogo entre tanta gente que a ama, mas não a ouve. Gradualmente, a série revela que questões secundárias ou terciárias, como casos extraconjugais, desgastes emocionais e até um trauma antigo de família interferem diretamente na maneira como as pessoas lidam com Amanda e a evolução de sua doença. 

Neste sentido, é brilhante a dedicação em especial de Letícia Colin e Fábio Assunção, este último abraçando de corpo e alma um trabalho que conversa de forma tão delicada com um assunto que é íntimo para ele. A dinâmica entre Amanda e David é recheada de espelhamentos e relações de causa e consequência, uma espécie de puxa-e-empurra que torna a convivência entre pai e filha ao mesmo tempo exaustiva e calorosa. Nunca é um ponto definido em que as duas partes se entendem, mas sempre um jogo que é duro para os dois e que acarreta consequências positivas e negativas. 

Enquanto costura o vício de Amanda com os seus laços familiares, e a própria consequência de sua autodestruição para cada um à sua volta, ‘Onde Está Meu Coração’ deixa várias pontas soltas cozinhando em banho-maria até quase o último segundo. Embora a tática em certos casos funcione para instigar o espectador a seguir na maratona da série, aqui faz com que cada episódio pouco se sustente de maneira isolada. Os grandes conflitos da temporada são sempre priorizados, e o desenvolvimento episódico fica escanteado na primeira metade, até que o estopim do caos, no episódio 6, se equilibre no limiar entre a decadência total e um último fio de esperança.

A desconexão entre as tramas paralelas, que deveriam servir para acrescentar à ideia de isolamento e conflito interno de Amanda, acaba revelando uma fraqueza da série que atinge profundamente o seu cerne. Entre investigar melhor cada personagem, ou diminuir o número de subtramas que precisariam compor ao cenário, mas não compõem, a série prefere ceder aos encantos da força de sua protagonista, vivida em uma delicadeza excelente por Colin. Por sorte, a sua presença em cena ilumina tanto que por vezes ofusca o emaranhado de evoluções com pouca nuance que se desenrola nas tramas B e C. 

Com tudo isso, fica claro à medida que a série avança que o caráter pedagógico esteve sempre em jogo, e que, por isso, o choque do impacto tem um peso que potencializou determinadas escolhas. No fim das contas, ‘Onde Está Meu Coração’ é uma série muito boa, que perde a chance de ser melhor se sua ambição fosse mais restrita. 

A série está disponível no Globoplay.

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Laysa Zanettihttps://cinepop.com.br
Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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