O filme é de 2015. Muita coisa mudou de lá pra cá. Mais ainda nos últimos meses – com todos os debates antirracismo que estão tomando conta das plataformas –, o que torna difícil assistir a este ‘Palmeiras na Neve’, da Netflix, sem ser parcial.
Clarence (Adriana Ugarte) é uma jovem espanhola que acaba de enterrar seu pai, Jacobo (Alain Hernández), mas sente que não tem conexões com sua família. Diante do Alzheimer do tio, Killian (interpretado por Mario Casas na maior parte do tempo), Clarence encontra um diário com anotações em fotos da época em que os dois viveram na Guiné Equatorial, onde a Espanha manteve ocupação até o ano de 1968, quando o país se independeu. Numa jornada pessoal de reconexão com seus laços familiares, Clarence decide ir até a Guiné para descobrir a verdadeira verdade sobre uma história de amor cheia de segredos e partidas.
Com essa sinopse, já dá pra imaginar mais ou menos o que acontece no roteiro de Sergio G. Sánchez, baseado no livro homônimo de Luz Gabás. Com uma estrutura que vai e volta no tempo, alternando entre os dois núcleos, o filme acabou precisando de quase três horas de duração para poder contar a jornada de Clarence, a história de amor central e, de quebra, falar um pouquinho da exploração dos cidadãos guinéu-equatorianos pela imposição espanhola na ilha de Bioko. Com tantas camadas, os laços afetivos entre os personagens acabaram pulando etapas, o que acelera o tempo narrativo para caber dentro do arco histórico da trama.
O filme de Fernando González Molina tem pontos positivos e outros que geram desconforto. ‘Palmeiras na Neve’ é uma super produção, com um elenco enorme e competente – do qual se destaca Bisila, interpretada por Bertha Vázquez (a Cachinhos de ‘Vis a Vis’) e uma direção de arte impecável, que recriou toda a atmosfera dos anos 1950-1960 com bastante atenção ao cabelo, figurino e cenografia. As tomadas aéreas também são deslumbrantes e ajudam o espectador a sentir o impacto da beleza geográfica da Guiné.
Entretanto, embora seja uma história de amor ficcional localizada em um período histórico real, assistir a ‘Palmeiras na Neve’ nos dias de hoje certamente causará desconforto naqueles que estão buscando narrativas afrofuturistas e antirracistas. O filme, como se pode perceber, é contado pelo ponto de vista da família espanhola, e, portanto, romantiza toda a presença desses cidadãos na Guiné, construindo os personagens brancos como salvadores que às vezes, coitados, cometem erros, colocando os negros como uma mão de obra enraivecida e selvagem. Estereótipos né. Exemplos podem ser vistos nas duas cenas em que há briga nas festas (os motivos da brigas e como elas terminam), na intenção de Clarence (ela tem certeza de que alguém na Guiné recebia uma mesada do seu tio e ela queria se certificar de que a pessoa não passasse necessidades, pois parte do princípio único de que todo mundo na Guiné passa necessidade).
‘Palmeiras na Neve’ desperta sentimentos conflitantes no espectador crítico. Por um lado, é uma boa produção, com uma história bem construída; por outro, enaltece a narrativa da branquitude e sua perspectiva eurocentrada, gerando um desconforto que nos impede de torcer pelos personagens. É um filme cinematograficamente belo, mas cujo conjunto estético encontrará resistência nos dias de hoje.