Peaky Blinders é mais um exemplo de como a produção britânica sempre opera no sentido anti-horário ao que vemos em Hollywood. Seu pequeno grande universo criativo – muitas vezes liderado pela BBC e por suas diversas divisões – evidenciam uma característica singular, repetida a cada novo título: menos é mais. Sherlock já era assim desde o princípio. Com uma produção suntuosa, a releitura de Sherlock Holmes era magrinha em sua quantidade de episódios, mas robusta em sua qualidade. Steven Knight e a BBC One fizeram o mesmo com PB. Tornando a série um fenômeno global com a ajuda da distribuição da Netflix, a original inglesa chega ao seu fim mantendo-se fiel a si mesma e, obviamente, aos seus fãs.
Em apenas seis episódios lindamente produzidos, Cillian Murphy e seu Tommy Shelby encerram sua trajetória de crimes, chantagens, contrabando e violência gráfica. Como um homem mais ainda marcado pelo luto, o chefe de apostas que se tornou traficante e futuramente político populista busca seu último rastro de vingança e volta a sujar suas mãos em prol de seus interesses e – vez outra – sua família. Sempre entre a voracidade externa e a fragilidade interna, o protagonista da aclamada série é a personificação de uma Inglaterra diferente, desenhada pela primeira guerra mundial e por mudanças sociopolíticas e culturais. E ao lado de um elenco poderoso, Murphy mais uma vez encarna um dos seus melhores personagens, hipnotiza a audiência com a sagacidade de seu anti-herói e nos toma pela mão em um último passeio pelas imundas ruas de Birmingham.
E Steven Knight cumpre o que prometeu e mantém o roteiro dos seis episódios finais no mesmo dinamismo de sempre. Como se a pandemia não tivesse interrompido a jornada da série, ele dá propósito para cada ponta solta deixada na 5ª temporada e encerra a trajetória de Polly com perspicácia e sensibilidade, tornando a atriz Helen McCrory a grande homenageada do primeiro ao último episódio. Sempre ecoando em nossos ouvidos com suas sábias palavras finais, sua personagem persegue os demais membros da família Shelby, reforçando o quão vital era sua presença. Alicerçando os principais movimentos de cada capítulo, McCrory permanece viva na alma e na essência da série – exatamente como todo fã de Peaky Blinders gostaria que fosse.
E sob as sombras de uma direção que destaca o negrume e a sujeira dos diversos becos de Birmingham, Peaky Blinders retorna ainda mais cinematográfica. Entre takes feitos em slow motion regados de fumaça e uma belíssima cena de troca de tiros inspirada no cinema noir dos anos 50, Knight e sua equipe técnica se despedem da audiência com glória. E conforme fecham os ciclos de cada personagem, eles ainda preparam um final que seja bastante sugestivo, mas que abra brecha para que Tommy Shelby, Arthur (Paul Anderson), John Dogs (Packy Lee) e cia retornem em futuros filmes sequências, como o próprio showrunner já revelou em entrevistas passadas.
Deixando uma leva generosa de pessoas marcadas por cortes de cabelo à la Peaky Blinders, sobretudos esvoaçantes e boinas de lã estrategicamente inclinadas para o lado, a série é um genuíno marco cultural, uma promessa cumprida que entendeu os anseios de seu público e proporcionou uma das experiências televisivas mais imersivas e cativantes dos anos recentes. Hoje o mundo fica um pouco menos divertido sem os memes e as piadas apaixonadas que Peaky Blinders sem perceber nos proporcionou. Mas ainda bem que há sempre a possibilidade de reprises inacabáveis graças à Netflix.