Crítica | Penny Dreadful: City of Angels – 01×02: Dead People Lie Down

Quando pensamos na expressão penny dreadful, somos transportados a um mundo recheado de criaturas fantásticas e medonhas, de narrativas que nos tiram o fôlego e arrepiam nossa espinha, justamente por trazer à tona a essência maléfica do ser humano, perscrutada por medos irracionais e inseguranças conturbadas que constantemente nos invadem a mente. Não é surpresa que essa representação metafórica tenha feito um sucesso gigantesco com o lançamento da série homônima em 2014, pavimentando um caminho de puro suspense ao longo de três temporadas antes de nos deixar órfãos. Felizmente, o criador John Logan resolveu dar mais uma chance a esse capítulos aterrorizantes com o spin-off ‘Penny Dreadful: City of Angels’ – mas, conforme nos deixamos levar pela estreia do segundo capítulo, percebemos que essa mesma essência da qual falamos parece ter desaparecido e deixado um enfadonho traço saudosista.

Nesta semana, a trama principal é consequência direta do embate sangrento entre os policiais brancos e a comunidade latina de Los Angeles, que enfrentaram-se através da orquestra demoníaca de Magda (Natalie Dormer). O resultado caótico resultou no extermínio em massa dos descendentes de mexicanos e na morte de alguns oficiais de justiça, que logo atraiu olhar da elite norte-americana e de discursos respaldados no preconceito racial e numa ideologia refletida na agenda nazifascista europeia (que já se moldava há alguns anos e estava prestes a explodir). E, no epicentro dessa massiva guerra, está Tiago Vega (Daniel Zovatto), dividido entre a profissão que lutou para conseguir e suas raízes familiares que insistem em puxá-lo de volta para uma moral religiosamente calcada em sua criação.

Tiago é uma construção bastante complexa: o jovem detetive foi o primeiro latino contratado na delegacia local, talvez abrindo um novo capítulo na dura história dos Estados Unidos, talvez não. O fato é que ele tenta ao máximo se fundir aos terríveis “colegas” de trabalho e, por vezes, se esquece de quem realmente esteve ao seu lado todo esse tempo – como sua mãe, Maria (Adriana Barraza), uma religiosa fervorosa que é guiada pela descomunal força de Santa Muerta (Lorenza Izzo). Felizmente, ele é acompanhado de uma figura quase paternal que emerge na interpretação de Nathan Lane como Lewis Michener, que representa uma bruxuleante esperança para aqueles que prezam por um lugar melhor. O problema, entretanto, é o modo como o roteiro enfia o protagonista em arcos melodramáticos ou políticos demais – que poderiam muito bem ser mascarados com um respaldo mais sobrenatural ou fabulesco.

É muito fácil esquecer o mote principal da temporada, ainda mais pela múltipla condução de subtramas que se intrincam em uma panfletária e desconexa ambientação: de um lado, temos a ascensão ariana que se infiltra na costa oeste e que promete acabar com todas as pessoas consideradas diferentes (negros, judeus, homossexuais ou latinos); de outro, o assassinato brutal de quatro pessoas brancas cujos corações foram arrancados por uma força maligna – cujo potencial seriado é descartado sem mais nem menos e jogado para debaixo do tapete. Nenhuma das duas metades é reafirmada ou explorada mais a fundo em “Dead People Lie Down” – pelo contrário, elas são atenuadas em prol do desenvolvimento interpessoal de personagens como os alter-egos de Magda, do médico Peter Craft (Rory Kinnear) e da evangelista Molly (Kerry Bishé), e resgatadas com pressa desnecessária no ato final do capítulo.

A iteração em si tem poucos momentos proveitosos, o que seria compreensível caso o episódio de estreia tivesse causado um estrondo maior. Com exceção da exímia direção de Paco Cabezas, que traz elementos da série original e até mesmo de outros trabalhos (como ‘The Alienist’) é medida que cultiva uma identidade diferenciada, e da atuação sempre irretocável do elenco coadjuvante, as sequências pecam em querer unir em um mesmo lugar espectros fragmentados do drama neo-noir e do suspense familiar, esquecendo-se do que realmente importa. Certas passagens, todavia, são um deleite para os fãs da franquia – como o breve enfrentamento de Mateo Vega (Johnathan Nieves) e seus algozes racistas, ou até mesmo a cena final que traz de volta a presença de Santa Muerte. Porém, se o show irá se valer desse momentâneo choque para nos cativar e nos manter interessados, eventualmente o frescor da temporada vai se dissipar e se transformar em um tal-qual circinal.

Se nem mesmo Dormer consegue nos encantar com suas várias interpretações, ‘Penny Dreadful: City of Angels’ precisa escolher que caminho seguirá – e quando as atribulações que nos inebriaram há vários anos receberão um convite irrecusável para prestar serviço. Em meio a vários deslizes, só podemos esperar que os próximos capítulos recuperem uma glória outrora irradiante – e que, agora, se esconde em meio ao cenário idílico de uma Los Angeles decadente.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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