quarta-feira , 20 novembro , 2024

Crítica | Piano de Família: Filho de Denzel Washington estreia na direção com ótimo original da Netflix

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Nascido dos vestígios da escravidão, um belíssimo piano de madeira atravessa as décadas carregando em si o peso de toda uma linhagem. Talhado à mão, ele é mais do que um instrumento musical. Traz em sua estrutura os traços e o DNA de ancestrais que um dia foram escravos de uma família sulista e é também um assombroso peso do passado nos lombos de um presente bem distante dos campos de algodão de uma remota fazenda do Mississipi. As marcas do tempo e toda a hercúlea jornada por trás dessa peça formam a espinha dorsal de Piano de Família, belíssima adaptação da premiada obra homônima de August Wilson, onde drama e terror sobrenatural moldam um conto sobre legado, família e reparação histórica.

piano de família 2
piano de família 2

Se desenvolvendo em quase sua totalidade em um único ambiente, Piano de Família às vezes flerta com o teatro em sua direção. Com a câmera passeando pelos cômodos na velocidade do olhar da audiência, alguns pequenos planos sequência e uma montagem ágil, o longa marca a excelente estreia de Malcolm Washington, filho de Denzel Washington, na direção. Criando uma sensação intimista, o novato cineasta mantém seu elenco mais restrito a poucos espaços, permitindo que as performances ecoem de maneira retumbante e claustrofóbica dentro dos sets, com tudo ganhando proporções dantescas em tela. Cada desentendimento, desabafo ou impulso musical se torna maior, diante dessa casa em Pittsburgh. E com todos sempre limitados às pequenas dimensões físicas, os ânimos se acaloram, fazendo com que o fulgor da obra de Wilson aflore e reluza ainda mais.



Nessa dialética, em que direção e design de produção se comunicam intrinsecamente, um piano se transforma em um espantoso e misterioso elo entre tempos, momentos e contextos sociais distintos. Sendo o centro dessa batalha entre os irmãos Charles, essa peça única é tanto o vínculo com a jornada dessa família, bem como uma possibilidade de renda extra. E a disputa pela venda ou não do item ganhará novas cores e camadas nessa trama, nos levando a uma epifania catártica onde um histórico de escravidão e morte se digladiam com o vigente sonho americano de ter uma terra fértil e de escrever um futuro que seja distante daquele mesmo passado de dor.

piano de família 1
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E aqui, Malcolm nos convida a uma experiência familiar delicada e profunda, expressa a partir dos diversos pontos de vista de seus protagonistas. Enquanto observamos suas movimentações e percepções sobre o que fazer ou não com o bendito piano, temáticas como maldição hereditária, a importância do legado e dores mal resolvidas entram em cena e se materializam como personagens palpáveis diante da audiência. Nessa dinâmica, John David Washington, também filho de Denzel, cresce em tela, performático e intenso, com um sorriso esperançoso que revela um homem de sonhos ousados.

Sua intensidade dramática se contrapõe a um Samuel L. Jackson pacato e pacífico, que carrega as memórias do passado com a leveza de quem fez as pazes com os anos de escravidão. Danielle Deadwyler, Ray Fisher, Michael Potts e Corey Hawkins completam o hall de atuações com riqueza, fazendo de Piano de Família uma requintada e preciosa vitrine de talentos singulares. Carregando em suas performances a culturalidade afro americana, do sotaque ao inglês mais rudimentar, todos incorporam as raízes sulistas com precisão, trazendo as páginas da obra de Wilson à vida. E sabendo trabalhar cada ator como quem dirige há anos, Malcolm Washington faz da sua estreia uma afirmação de que o talento cinematográfico está no sangue. Para reiterar isso ainda mais, Denzel supervisiona o longa dos bastidores como produtor, ao lado de sua outra filha Katia Washington.

piano de família3
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Ampliando sua dimensão dramática com um terceiro ato estrondoso e impressionantemente sobrenatural, o diretor faz uma drástica mudança de gênero ao tornar o longa familiar em uma espécie de ”terror casa mal assombrada”. Capturando a atenção da audiência de forma desprevenida, ele constrói essa reviravolta apenas a partir de pequenos fragmentos citados anteriormente, causando uma certa estranheza. Perdendo a oportunidade de explorar esse lado espiritual da jornada da família Charles com mais força em suas duas primeiras partes, Malcolm peca por guardar o melhor apenas para os instantes finais, nos deixando à deriva por mais dessa mesma intensidade que coroa o final.

Ainda assim, entre pequenos erros e um vasto leque de acertos, o novo original Netflix se apresenta como um projeto familiar poderoso. Aqui, as pazes com o passado e a promessa de um futuro novo se entremeiam em uma história de redenção, cura e fé. Convidando a audiência para uma jornada que escalona a cada novo ato, Malcolm explora as marcas da escravidão norte-americana como um assunto universal sobre maldição hereditária e o peso de ser um negro na América dos anos 20. Com um delicado final que encerra um ciclo de luto e culpa no seio da família Charles, Piano de Família é um retrato sobre as marcas do tempo, suas sequelas nas vindouras gerações e o desejo de fazer do presente um reflexo otimista a partir das manchas de sangue deixadas pelo caminho de toda uma era escravocrata.

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Nascido dos vestígios da escravidão, um belíssimo piano de madeira atravessa as décadas carregando em si o peso de toda uma linhagem. Talhado à mão, ele é mais do que um instrumento musical. Traz em sua estrutura os traços e o DNA de ancestrais que um dia foram escravos de uma família sulista e é também um assombroso peso do passado nos lombos de um presente bem distante dos campos de algodão de uma remota fazenda do Mississipi. As marcas do tempo e toda a hercúlea jornada por trás dessa peça formam a espinha dorsal de Piano de Família, belíssima adaptação da premiada obra homônima de August Wilson, onde drama e terror sobrenatural moldam um conto sobre legado, família e reparação histórica.

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Se desenvolvendo em quase sua totalidade em um único ambiente, Piano de Família às vezes flerta com o teatro em sua direção. Com a câmera passeando pelos cômodos na velocidade do olhar da audiência, alguns pequenos planos sequência e uma montagem ágil, o longa marca a excelente estreia de Malcolm Washington, filho de Denzel Washington, na direção. Criando uma sensação intimista, o novato cineasta mantém seu elenco mais restrito a poucos espaços, permitindo que as performances ecoem de maneira retumbante e claustrofóbica dentro dos sets, com tudo ganhando proporções dantescas em tela. Cada desentendimento, desabafo ou impulso musical se torna maior, diante dessa casa em Pittsburgh. E com todos sempre limitados às pequenas dimensões físicas, os ânimos se acaloram, fazendo com que o fulgor da obra de Wilson aflore e reluza ainda mais.

Nessa dialética, em que direção e design de produção se comunicam intrinsecamente, um piano se transforma em um espantoso e misterioso elo entre tempos, momentos e contextos sociais distintos. Sendo o centro dessa batalha entre os irmãos Charles, essa peça única é tanto o vínculo com a jornada dessa família, bem como uma possibilidade de renda extra. E a disputa pela venda ou não do item ganhará novas cores e camadas nessa trama, nos levando a uma epifania catártica onde um histórico de escravidão e morte se digladiam com o vigente sonho americano de ter uma terra fértil e de escrever um futuro que seja distante daquele mesmo passado de dor.

piano de família 1
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E aqui, Malcolm nos convida a uma experiência familiar delicada e profunda, expressa a partir dos diversos pontos de vista de seus protagonistas. Enquanto observamos suas movimentações e percepções sobre o que fazer ou não com o bendito piano, temáticas como maldição hereditária, a importância do legado e dores mal resolvidas entram em cena e se materializam como personagens palpáveis diante da audiência. Nessa dinâmica, John David Washington, também filho de Denzel, cresce em tela, performático e intenso, com um sorriso esperançoso que revela um homem de sonhos ousados.

Sua intensidade dramática se contrapõe a um Samuel L. Jackson pacato e pacífico, que carrega as memórias do passado com a leveza de quem fez as pazes com os anos de escravidão. Danielle Deadwyler, Ray Fisher, Michael Potts e Corey Hawkins completam o hall de atuações com riqueza, fazendo de Piano de Família uma requintada e preciosa vitrine de talentos singulares. Carregando em suas performances a culturalidade afro americana, do sotaque ao inglês mais rudimentar, todos incorporam as raízes sulistas com precisão, trazendo as páginas da obra de Wilson à vida. E sabendo trabalhar cada ator como quem dirige há anos, Malcolm Washington faz da sua estreia uma afirmação de que o talento cinematográfico está no sangue. Para reiterar isso ainda mais, Denzel supervisiona o longa dos bastidores como produtor, ao lado de sua outra filha Katia Washington.

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Ampliando sua dimensão dramática com um terceiro ato estrondoso e impressionantemente sobrenatural, o diretor faz uma drástica mudança de gênero ao tornar o longa familiar em uma espécie de ”terror casa mal assombrada”. Capturando a atenção da audiência de forma desprevenida, ele constrói essa reviravolta apenas a partir de pequenos fragmentos citados anteriormente, causando uma certa estranheza. Perdendo a oportunidade de explorar esse lado espiritual da jornada da família Charles com mais força em suas duas primeiras partes, Malcolm peca por guardar o melhor apenas para os instantes finais, nos deixando à deriva por mais dessa mesma intensidade que coroa o final.

Ainda assim, entre pequenos erros e um vasto leque de acertos, o novo original Netflix se apresenta como um projeto familiar poderoso. Aqui, as pazes com o passado e a promessa de um futuro novo se entremeiam em uma história de redenção, cura e fé. Convidando a audiência para uma jornada que escalona a cada novo ato, Malcolm explora as marcas da escravidão norte-americana como um assunto universal sobre maldição hereditária e o peso de ser um negro na América dos anos 20. Com um delicado final que encerra um ciclo de luto e culpa no seio da família Charles, Piano de Família é um retrato sobre as marcas do tempo, suas sequelas nas vindouras gerações e o desejo de fazer do presente um reflexo otimista a partir das manchas de sangue deixadas pelo caminho de toda uma era escravocrata.

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