Competição e Altruísmo
Atualmente, vivemos uma realidade individualista como nunca antes. Cada vez mais, mundialmente, o ser humano vive única e exclusivamente para si mesmo e, no máximo, para ‘os seus’. Em casos extremos isso resulta no muito conhecido ‘primeiro eu’, que os brasileiros sabem de cor e salteado. Justamente por isso, obras como Primeiro Ano são cada vez mais necessárias nesta modernidade quase cruel, porque reforçam valores quase esquecidos, não apenas para a nova geração, mas os relembra para quem foi perdendo o caminho ao longo da jornada.
Escrito e dirigido pelo cineasta Thomas Lilti, Primeiro Ano se mostrou um grande sucesso na França, vendendo mais de um milhão de ingressos. Um grande feito, vindo de um país que realmente valoriza a sua arte. Seguindo os passos do fenômeno Intocáveis (2011), Primeiro Ano oferece a mescla exata entre humor e drama, do jeitinho especial que os franceses dominam em suas produções miradas ao grande público. Este também é um filme que trata de um assunto muito humano e identificável.
Na primeira cena, assistimos a Antoine (Vincent Lacoste) ver novamente seu sonho de ingressar na faculdade de medicina ir por água abaixo. O jovem não consegue a pontuação necessária – entre os inúmeros candidatos – para adentrar por uma fresta no concorrido curso, assim sobrando apenas vagas para as aulas de farmácia e odontologia. Ao contrário dos conformados demais, Antoine tem como único objetivo ingressar em tal área, mesmo que para isso desista das outras opções, e recomece do zero pela terceira vez.
O ‘novo’ primeiro ano traz para o caminho de Antoine o desleixado Benjamin (William Lebghil), com quem faz amizade de forma quase instantânea. Benjamin, no entanto, logo de cara se mostra menos esforçado, enfático e decidido em suas escolhas. Com o passar das aulas, a pressão e o esforço se fazem presentes e a cada novo teste preliminar, Benjamin cresce naturalmente e vai ganhando confiança, enquanto Antoine afunda cada vez mais em suas obsessões e se afasta novamente de seu maior desejo.
Primeiro Ano é uma obra simpática, dona de um roteiro simples, mas muito bem trabalhado. De fácil acesso e identificação, o cineasta cria um filme real, que tem muito a dizer sobre as exigências e imposições que nos são apresentadas, e como lidamos com elas. A amizade entre os rapazes soa verdadeira devido a química dos atores, ambos donos de performances acima da média. Seu envolvimento e eventual partida são críveis, e a construção de tal arco chega a emocionar em sua conclusão. Não por qualquer sentimentalismo barato ou piegas, mas sim na forma como o roteiro trabalho um altruísmo honesto, muito em falta no mundo de hoje, que chega a nos causar espanto – imaginando ser um ato surreal. Não é.
Com sua trama, o cineasta Lilti diz claramente que nem todo preparo do mundo irá nos fazer superar a imprevisibilidade, o fator desconhecido – como sorte e azar – que permeiam nossos destinos e vivem nos abatendo a cada renovação cíclica. Este poderia simplesmente não ser o destino de Antoine, mesmo o rapaz investindo todos os seus esforços, ao ponto de literalmente surtar. Já Benjamin, levando a situação com maior graça e naturalidade, se assentou ao fluxo, dominando, ou ao menos aceitando, sua jornada. O que muitos apenas chamariam de talento nato – aquela parcela da população para a qual não é necessário tanto esforço.
Com a plena consciência de que ‘menos é mais’, Primeiro Ano é desenvolvido de forma sincera, assim como seus protagonistas. Desta forma, nos convencendo ao longo de toda a trajetória dos protagonistas, pelos seus percalços agridoces – temperados com sensatez pelo diretor. E quando finalmente chega a conclusão é que nos damos conta de que finais perfeitos geralmente estão de mãos dadas com a simplicidade. E aqui temos um que gera uma reflexão fascinante, levantando diante do espectador um grande espelho.