Existe um período específico da história moderna da América Latina que possui tantos, mas tantos buracos e feridas, que, a cada vez que algo novo surge nesse emaranhado de dúvidas, o resultado é sempre o mesmo: o espanto, a dor, a indignação. Estamos falando do período da ditadura militar, que, em tempos diferentes, assolou o Brasil, a Argentina, o Chile e outros países da América Latina mais ou menos do meio do século passado em diante. As consequências, as respostas desse tempo tão brutal ainda estão sendo reveladas até os dias de hoje, seja por investigações, seja pela literatura, seja pelo cinema de ficção. Para ajudar a iluminar os eventos desse tempo, chegou essa semana aos cinemas brasileiros o filme chileno ‘Prisão nos Andes’.
Em 11 de setembro de 1973, um golpe militar deu fim ao governo democraticamente eleito de Salvador Allende e deu início à ditadura de Augusto Pinochet, que durou dezessete anos. A partir dos anos 1990, o chile voltou à democracia e começou a julgar os algozes de tanto terror e sofrimento, incluindo indivíduos do alto escalão do comando do exército. Depois de julgados e condenados, um grupo de cinco figurões do exército chileno foi condenado a cumprir seu tempo de cárcere em um lugar recluso, porém, ao contrário de todos os outros detentos do país, a prisão em que o grupo foi alocado era um verdadeiro resort, com direito a livre circulação, alimentos importados, comprinhas semanais e acesso a armas de fogo. Em 2013, Manuel Contreras deu uma entrevista para um jornal que acabou se tornando um verdadeiro escândalo, pois nela ele revelou todas as regalias às quais o grupo tinha acesso na ‘Prisão nos Andes’.
Escrito e dirigido por Felipe Carmona, ‘Prisão nos Andes’ é o primeiro longa do realizador chileno. E, em considerarmos ser este o primeiro projeto assinado pelo jovem diretor, podemos concordar que o resultado apresentado é um filme bastante seguro, que sabe inserir atos de comicidade nos momentos certos para quebrar a tensão do horror do que ocorre. Além disso, o diretor também brinca com diferentes gêneros, narrando todo o seu longa como se fosse um drama que se comporta como suspense policial (uma vez que há elementos no enredo que ficam dúbios, os quais o espectador tem que ir desvendando aos poucos) e, surpreendentemente, há também situações de terror, com a câmera mais fechada, ambiente mais escuro e crimes ocorrendo com sangue para todos os lados.
O realizador mais uma vez experimenta ao imprimir uma quebra na narrativa com um flashback de início de século, quando um dos personagens rememora um episódio de sua vida que aparece no filme como que no cinema mudo, com cartelas com a legenda e tudo. Essa quebra além de fazer o espectador sorrir, também condiz com a idade dos personagens, imprimindo uma ideia temporal em um segundo plano para o espectador.
Se por um lado o diretor faz experimentações interessantes, por outro o roteiro insere uma história de fundo para os policiais que trabalhavam no local que acaba além de ocupar muito tempo de tela, também passa a sensação de ficar solta no enredo, já que não tem muito espaço para se desenvolver por estar justamente em um segundo plano.
Considerando todos os pontos, ‘Prisão nos Andes’ é um filme afrontoso, que ri e chora do absurdo das regalias e dos privilégios que até hoje os culpados da ditadura militar gozam, em vez de ser verdadeiramente punidos. Um filme que ilustra a triste ironia da justiça latino-americana.