Segundo diversos estudos, uma das consequências da melhoria na qualidade de vida em uma sociedade é o aumento da expectativa de vida e a redução da natalidade no país em questão. Isso significa que o acesso à educação, alimentação e melhores atendimentos médicos reflete diretamente na população. E a expectativa é que, no Brasil, o número de idosos siga crescendo a cada ano, até chegar ao ponto da “pirâmide” se inverter, transformando o país em um território que abrigue mais idosos que “pessoas economicamente ativas”.
E isso começa a virar um ponto de preocupação porque a primeira ação da sociedade quanto a isso é justamente excluir os idosos ou dificultar a eles acesso a benefícios que recompensem os árduos anos de trabalho e contribuição para essa própria sociedade que os renega sem pensar duas vezes. Nesse cenário, surgiu um termo que será cada vez mais ouvido daqui pra frente: “Etarismo”.
Buscando mostrar ao público as dificuldades enfrentadas pelos idosos que estão vivendo aquela que deveria ser a ‘melhor idade’, o documentário Quantos dias. Quantas noites, de Cacau Rhoden, cumpre bem sua missão de dar voz a esse grupo de pessoas que são diariamente excluídas, mas que raramente são ouvidas de verdade ou levadas a sério.
Mais do que isso, o filme aproveita essa oportunidade de dar espaço a eles na tela grande para incluir pessoas com deficiência e uma jovem que convive diariamente com uma metástase, mostrando e discutindo qual o papel dessa galera na sociedade. É de cortar o coração do público quando a realidade bate e fica claro como a maior parte das pessoas trata gente idosa ou deficiente como descartáveis, como se não fossem seres humanos com história pra contar, com sentimentos, desejos e planos.
Mas é importante ressaltar que em momento algum o filme tenta te fazer sentir pena de quem está sendo retratado em tela. Como dito antes, parte importante da reflexão causada pelo doc é justamente enxergar os entrevistados como seres humanos. Todo mundo é lúcido, todo mundo tem suas histórias. E escutá-las é fundamental e instigante.
Por isso, há diversas histórias que tratam de temas sérios, como racismo, etarismo e capacitismo, com bom humor. É possível aprender com o bom humor típico de quem já viveu muito e acumulou diversas experiências sociais ao longo da vida. Então, vemos a história de um sambista da periferia paulista, um casal de idosos surfistas e muito mais.
O grande defeito do filme, porém, é o ritmo inconstante. Às vezes, fica a sensação de que a mescla de histórias com as entrevistas poderia ser melhor realocada, talvez para concentrar mais os momentos tristes e engraçados em núcleos mais segmentados. No entanto, sabemos que a vida não faz essa separação, então pode ter sido uma montagem proposital da direção, mesmo que não tenha funcionado tão bem assim na questão do ritmo, que fica mais devagar e cansa um pouco.
Mas nada que tire o valor dos relatos contados em tela. E nada te prepara para o final tão simples e pesado deste documentário. É realmente emocionante. Por fim, vale ressaltar aqui um projeto muito legal envolvendo o filme e o incentivo ao cinema. A produtora do longa, Maria Farinha Filmes, fechou uma parceria com cinemas em cinco cidades do Brasil para que o documentário tenha exibições gratuitas nessas salas até o dia 18 de outubro. Quem quiser aproveitar, basta ir até o cinemas em São Paulo e Brasília (Itaú Cinemas), Rio de Janeiro (Estação NET de Cinemas), Belo Horizonte (Una Belas Artes) e Salvador (Cine Metha Glauber Rocha) e retirar os ingressos gratuitamente uma hora antes da sessão. É um projeto fascinante que merece aplausos por essa democratização do cinema.
Quantos dias. Quantas noites está em cartaz nos cinemas brasileiros.