quarta-feira , 20 novembro , 2024

Crítica | Querido Menino – Drama morno sobre dependência química sob ótica do pai

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Filmes sobre dependentes químicos rendem jornadas do fundo do poço à redenção, ou, ao menos, a uma batalha perpétua contra o desejo dos entorpecentes. Os casos mais marcantes de jovens nesta caminhada são os de Diário de um Adolescente (1995) e Eu, Cristiane F. (1981), ambos baseados em histórias reais, tal como Querido Menino (Beautiful Boy), de Felix van Groeningen (Alabama Monroe).

Baseado no livro do jornalista David Sheff (Steve Carell), o filme é focado na angústia de David em relação ao filho adolescente Nic Sheff (Timothée Chalamet), um menino bem educado, bonito, com todas as oportunidades abertas para ter um excelente futuro, entretanto, ele começa a utilizar metanfetamina e a sua vida passa a ser contar os dias sem as drogas e a depressão de saber que no dia seguinte todo o esforço pode esvair-se.



Com um roteiro voltado para o sofrimento do pai, sob a perspectiva da narrativa, não há explicações para o vício do menino ou mesmo os seus momentos mais sombrios. O espectador não acompanha a trajetória de Nic, mas a aflição de um pai que negligencia a atual esposa e outros dois filhos para preocupar-se a todo instante com o primogênito. Steve Carell entrega uma atuação regular e emotiva, em que seu personagem chega a experimentar o ópio em busca de entender o que o filho sente.

Assim como David, o espectador se vê no escuro para entender o comportamento e sentimentos de Nic. Ninguém oferece a substância ao garoto, ele começa o seu percurso como uma curiosidade e não há pistas de como ele sustenta o próprio vício, com exceção de duas cenas: o roubo de oito dólares do irmão mais novo e, em outro momento, saqueando a casa do pai.

Este último momento é uma das cenas mais emocionantes do filme, quando a madrasta Karen (Maura Tierney) decide canalizar o sofrimento de todos ao redor do garoto e persegui-lo pela estrada. A conclusão da cena, graças ao talento da Maura, é mordaz. São esses momentos de desesperança que constroem o filme, mesmo apenas tocando na superfície dos sentimentos de Nic, tal como quando ele, após meses limpo, não suporta a dor de existir e entrega-se à fuga química novamente.

Diferente dos sensoriais e excêntricos filmes sobre o fundo do poço, Trainspotting: Sem Limites (1996) e Medo e Delírio (1998), Querido Menino é um dramalhão raso. Seu objetivo é mostrar como os entorpecentes não afetam apenas a vida do dependente químico, mas todos a sua volta.  Por outro lado, o filme sutilmente insinua uma depressão desenvolvida por Nic pela falta de pertencimento a um lugar, uma comunidade, apesar de todo suporte e afeto recebido.

Desse modo, Querido Menino é uma longa-metragem sobre o relacionamento pai e filho, em que tanto o talentoso e entregue Timothée Chalamet quanto Steve Carell desenham notavelmente uma química parental. Uma das cenas mais impactantes é o encontro dos dois em um restaurante, em que o pai percebe a perturbação do filho, mas não consegue ajudá-lo ou compreendê-lo e o deixa partir desamparado.

Querido Menino, tanto filme quanto livro, é uma declaração pública de amor e impotência de um pai aos pedaços com um quebra-cabeça insolúvel à sua frente. Felix van Groeningen transmite a mensagem de forma metódica, sem grandes rompantes e aproveita o cenário ensolarado da Califórnia para mostrar que dentro de toda escuridão há um caminho de luz, mesmo que, por vezes distante.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Baseado no livro do jornalista David Sheff (Steve Carell), o filme é focado na angústia de David em relação ao filho adolescente Nic Sheff (Timothée Chalamet), um menino bem educado, bonito, com todas as oportunidades abertas para ter um excelente futuro, entretanto, ele começa a utilizar metanfetamina e a sua vida passa a ser contar os dias sem as drogas e a depressão de saber que no dia seguinte todo o esforço pode esvair-se.

Com um roteiro voltado para o sofrimento do pai, sob a perspectiva da narrativa, não há explicações para o vício do menino ou mesmo os seus momentos mais sombrios. O espectador não acompanha a trajetória de Nic, mas a aflição de um pai que negligencia a atual esposa e outros dois filhos para preocupar-se a todo instante com o primogênito. Steve Carell entrega uma atuação regular e emotiva, em que seu personagem chega a experimentar o ópio em busca de entender o que o filho sente.

Assim como David, o espectador se vê no escuro para entender o comportamento e sentimentos de Nic. Ninguém oferece a substância ao garoto, ele começa o seu percurso como uma curiosidade e não há pistas de como ele sustenta o próprio vício, com exceção de duas cenas: o roubo de oito dólares do irmão mais novo e, em outro momento, saqueando a casa do pai.

Este último momento é uma das cenas mais emocionantes do filme, quando a madrasta Karen (Maura Tierney) decide canalizar o sofrimento de todos ao redor do garoto e persegui-lo pela estrada. A conclusão da cena, graças ao talento da Maura, é mordaz. São esses momentos de desesperança que constroem o filme, mesmo apenas tocando na superfície dos sentimentos de Nic, tal como quando ele, após meses limpo, não suporta a dor de existir e entrega-se à fuga química novamente.

Diferente dos sensoriais e excêntricos filmes sobre o fundo do poço, Trainspotting: Sem Limites (1996) e Medo e Delírio (1998), Querido Menino é um dramalhão raso. Seu objetivo é mostrar como os entorpecentes não afetam apenas a vida do dependente químico, mas todos a sua volta.  Por outro lado, o filme sutilmente insinua uma depressão desenvolvida por Nic pela falta de pertencimento a um lugar, uma comunidade, apesar de todo suporte e afeto recebido.

Desse modo, Querido Menino é uma longa-metragem sobre o relacionamento pai e filho, em que tanto o talentoso e entregue Timothée Chalamet quanto Steve Carell desenham notavelmente uma química parental. Uma das cenas mais impactantes é o encontro dos dois em um restaurante, em que o pai percebe a perturbação do filho, mas não consegue ajudá-lo ou compreendê-lo e o deixa partir desamparado.

Querido Menino, tanto filme quanto livro, é uma declaração pública de amor e impotência de um pai aos pedaços com um quebra-cabeça insolúvel à sua frente. Felix van Groeningen transmite a mensagem de forma metódica, sem grandes rompantes e aproveita o cenário ensolarado da Califórnia para mostrar que dentro de toda escuridão há um caminho de luz, mesmo que, por vezes distante.

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