sábado , 23 novembro , 2024

Crítica | Rachel Weisz entrega uma performance duplamente visceral na incrível minissérie ‘Gêmeas: Mórbida Semelhança’

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David Cronenberg é um dos cineastas mais únicos da história do cinema e um dos símbolos por trás do subgênero conhecido como body horror (terror corporal), que foca em um uso visceral do corpo humano e de todas as suas partes em prol de uma narrativa conceitual e, por muitas vezes, beirando o absurdo. Em 1988, o realizador lançou um de seus mais aclamados filmes, ‘Gêmeos: Mórbida Semelhança’, que lhe rendeu diversos prêmios e auxiliou a imortalizar seu legado no escopo da sétima arte. Agora, 35 anos mais tarde, o Prime Video resolveu investir esforços em uma série-remake do longa-metragem, escalando ninguém menos que a vencedora do Oscar Rachel Weisz para os papéis principais.

Seguindo muito de perto a trama da iteração original, ‘Gêmeas: Mórbida Semelhança’ acompanha Beverly e Elliot Mantle (Weisz), duas ginecologistas geniais cujo principal objetivo é lutar contra os precários e retrógrados métodos que envolvem os cuidados íntimos das mulheres, a gravidez e o parto. Entretanto, ambas são muito diferentes uma da outra e constantemente entram em conflito pelas personalidades gritantes e distintas que insistem em vir à tona ao longo de seus corridos cotidianos: Beverly posa como a gêmea mais introvertida e tímida, apaixonada pelo que faz com uma empatia invejável que mascara segredos obscuros; Elliot, por sua vez, tem uma fome literal e figurativa pela vida e não tem papas na língua, não pensando duas vezes antes de falar o que pensa e fazer o que for preciso para que seus objetivos sejam alcançados.



A princípio, Ellie demonstra ter uma liberdade mais urgente que a irmã, por vezes esquecendo-se da própria moral para deixar sua mente levá-la por onde quiser – transando com desconhecidos em bares e baladas, entupindo-se das mais variadas drogas e participando de jogos mentais que nem ao menos parecem abalar sua confiança. Todavia, é Beverly que insurge como a peça central de uma complexa e enigmática estrutura, postando-se como a base que sustente a relação pessoal e profissional entre elas – ora, há uma cena em que Ellie espirala em um misto de ódio e de ressentimento quando a irmã resolve passar alguns dias com sua namorada, Genevieve (Britne Oldford), chegando a cometer atos condenáveis por não saber como “viver” sem sua outra metade.

Weisz faz um trabalho aplaudível ao encarnar com impecável esmero as protagonistas – e chegando aos pés de Jeremy Irons, que estrelou o longa de Cronenberg. É notável o constante movimento de fluxo e refluxo promovido por performances tão distintas, garantindo que o público perceba uma tóxica e inebriante co-dependência que escala a níveis assustadoras e transforma-se em um thriller arrepiante. E, considerando que Weisz é uma das criadoras e uma das produtoras executivas da releitura seriada, ela sabe como trabalhar cada elemento sem entregar tudo de uma vez e garantindo que fiquemos animados capítulo a capítulo – consagrando-se com um grand finale que, com certeza, irá lhe render ao menos uma indicação ao Emmy.

Mas ela não é a única a nos chamar a atenção: temos a já mencionada Oldford como Genevieve, uma conhecida atriz que se apaixona por Elliot e que serve como um inspirado escape romântico, diluindo o meteórico suspense construído e fornecendo um pouco de paz a um dia a dia que, a qualquer momento, pode implodir; em contraposição, temos a presença pungente de Jennifer Ehle como Rebecca – uma bilionária excêntrica que não se importa com a saúde ou as condições das mulheres, mas sim de que forma o projeto das irmãs Mantle poderá lhe render frutos (ou seja, dinheiro). Rebecca é a personificação palpável do capitalismo predatório, uma magnata sem escrúpulos que tem plena ciência da genialidade das gêmeas e do perigo que representam caso não sejam domadas (transformando a personagem em uma antagonista deliciosamente detestável).

A série se mostra apaixonada pelo filme original, inclusive homenageando elementos marcantes – como ângulos distorcidos, o flerte com o surrealismo narrativo e a presença constante de uma paleta vermelho-sangue que dialoga tanto com a profissão de Beverly e Elliot quanto com a crueza dos temas tratados. Porém, ela não existe em subserviência ao clássico de Cronenberg, mas como um anexo que respira por conta própria, modernizando o que já nos foi apresentado com uma ácida declamação feminista e reviravoltas bem-vindas que nos impedem de desviar os olhos da telinha. E nada disso seria possível sem a caprichosa mão de Alice Birch, conhecida por produções como ‘Lady Macbeth’ e ‘Succession’, que não pensa duas vezes antes de subverter nossas expectativas das melhores maneiras possíveis.

‘Gemeâs: Mórbida Semelhança’ é essencialmente guiado pelo poder performático de Weisz, uma das grandes atrizes de todos os tempos – mas encanta por uma narcótica e sarcástica atmosfera em que cada uma das engrenagens se encaixa com perfeição.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Seguindo muito de perto a trama da iteração original, ‘Gêmeas: Mórbida Semelhança’ acompanha Beverly e Elliot Mantle (Weisz), duas ginecologistas geniais cujo principal objetivo é lutar contra os precários e retrógrados métodos que envolvem os cuidados íntimos das mulheres, a gravidez e o parto. Entretanto, ambas são muito diferentes uma da outra e constantemente entram em conflito pelas personalidades gritantes e distintas que insistem em vir à tona ao longo de seus corridos cotidianos: Beverly posa como a gêmea mais introvertida e tímida, apaixonada pelo que faz com uma empatia invejável que mascara segredos obscuros; Elliot, por sua vez, tem uma fome literal e figurativa pela vida e não tem papas na língua, não pensando duas vezes antes de falar o que pensa e fazer o que for preciso para que seus objetivos sejam alcançados.

A princípio, Ellie demonstra ter uma liberdade mais urgente que a irmã, por vezes esquecendo-se da própria moral para deixar sua mente levá-la por onde quiser – transando com desconhecidos em bares e baladas, entupindo-se das mais variadas drogas e participando de jogos mentais que nem ao menos parecem abalar sua confiança. Todavia, é Beverly que insurge como a peça central de uma complexa e enigmática estrutura, postando-se como a base que sustente a relação pessoal e profissional entre elas – ora, há uma cena em que Ellie espirala em um misto de ódio e de ressentimento quando a irmã resolve passar alguns dias com sua namorada, Genevieve (Britne Oldford), chegando a cometer atos condenáveis por não saber como “viver” sem sua outra metade.

Weisz faz um trabalho aplaudível ao encarnar com impecável esmero as protagonistas – e chegando aos pés de Jeremy Irons, que estrelou o longa de Cronenberg. É notável o constante movimento de fluxo e refluxo promovido por performances tão distintas, garantindo que o público perceba uma tóxica e inebriante co-dependência que escala a níveis assustadoras e transforma-se em um thriller arrepiante. E, considerando que Weisz é uma das criadoras e uma das produtoras executivas da releitura seriada, ela sabe como trabalhar cada elemento sem entregar tudo de uma vez e garantindo que fiquemos animados capítulo a capítulo – consagrando-se com um grand finale que, com certeza, irá lhe render ao menos uma indicação ao Emmy.

Mas ela não é a única a nos chamar a atenção: temos a já mencionada Oldford como Genevieve, uma conhecida atriz que se apaixona por Elliot e que serve como um inspirado escape romântico, diluindo o meteórico suspense construído e fornecendo um pouco de paz a um dia a dia que, a qualquer momento, pode implodir; em contraposição, temos a presença pungente de Jennifer Ehle como Rebecca – uma bilionária excêntrica que não se importa com a saúde ou as condições das mulheres, mas sim de que forma o projeto das irmãs Mantle poderá lhe render frutos (ou seja, dinheiro). Rebecca é a personificação palpável do capitalismo predatório, uma magnata sem escrúpulos que tem plena ciência da genialidade das gêmeas e do perigo que representam caso não sejam domadas (transformando a personagem em uma antagonista deliciosamente detestável).

A série se mostra apaixonada pelo filme original, inclusive homenageando elementos marcantes – como ângulos distorcidos, o flerte com o surrealismo narrativo e a presença constante de uma paleta vermelho-sangue que dialoga tanto com a profissão de Beverly e Elliot quanto com a crueza dos temas tratados. Porém, ela não existe em subserviência ao clássico de Cronenberg, mas como um anexo que respira por conta própria, modernizando o que já nos foi apresentado com uma ácida declamação feminista e reviravoltas bem-vindas que nos impedem de desviar os olhos da telinha. E nada disso seria possível sem a caprichosa mão de Alice Birch, conhecida por produções como ‘Lady Macbeth’ e ‘Succession’, que não pensa duas vezes antes de subverter nossas expectativas das melhores maneiras possíveis.

‘Gemeâs: Mórbida Semelhança’ é essencialmente guiado pelo poder performático de Weisz, uma das grandes atrizes de todos os tempos – mas encanta por uma narcótica e sarcástica atmosfera em que cada uma das engrenagens se encaixa com perfeição.

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