A saga literária ‘Bridgerton’, de Julia Quinn, se tornou um fenômeno ao redor do mundo e, em 2020, fez um estrondo gigantesco ao chegar ao catálogo da Netflix. Apesar dos claros problemas, o resultado da série foi bastante positivo e angariou ainda mais fãs ao cosmos “revisitado” de Quinn acerca da monarquia britânica do início do século XIX (ou seja, durante a Regência inglesa), além de introduzir personagens que cairiam no gosto do público. Agora, a criadora Shonda Rhimes expande esse universo com o lançamento de ‘Rainha Charlotte’, acompanhando a icônica monarca pela qual nos apaixonamos e que, agora, ganha uma história de origem absolutamente fantástica.
A série derivada, como já mencionado, apresenta como Charlotte ascendeu ao trono real e enfrentou diversos problemas até se consagrar como a conhecida monarca. É claro que, considerando que a produção é apenas inspirada em fatos, não devemos levar tudo o que nos é apresentado como verdade absoluta – e Julie Andrews faz questão de nos lembrar disso ao reprisar seu papel como a narradora; mas, no final das contas, isso não importa, visto que somos arrebatados em uma aventura romântica recheada de críticas que podem ser traduzidas para os dias atuais. Com seis longos episódios, é notável como o tempo passa em um piscar de olhos e nos deixa imaginando se, em breve, teremos mais.
Aqui, India Amarteifio interpreta a personagem titular e faz um trabalho majestoso e que dialoga com a performance de Golda Rosheuvel na série original; Charlotte foi prometida através de um acordo feito entre o irmão, Adolphus IV (Tunji Kasim), e o império britânico, como forma de estreitar os laços entre a província alemã que comanda e a família real. Todavia, ela não queria isso para a vida e, com apenas dezessete anos, se vê na obrigação de sustentar um denso tratado sem voz para dizer o que realmente deseja. Charlotte, inclusive, tenta fugir momentos antes de seu casamento com o príncipe George (Corey Mylchreest), que nunca conheceu. Porém, se ela tivesse seguido com o plano e não sido pega pelo próprio herdeiro do trono, não teríamos história.
Conforme essa trama se desenrola, outra também ganha forma – em que somos levados ao período logo após a segunda temporada de ‘Bridgerton’, em que Charlotte, já coroada rainha, lida com a falta de herdeiros e uma legião de filhos que parece remar contra a maré das próprias obrigações. Envolta em um misto de desespero e de resignação, a monarca enfrenta tudo e todos para garantir que o legado da família permaneça vivo e que as coisas saiam como o planejado. E, no meio do caminho, ela é auxiliada por amigas de confiança, incluindo Lady Danbury (Adjoa Andoh retornando como a personagem) e Violet Bridgerton (Ruth Gemmell também voltando ao elenco do spin-off).
A série encontra sucesso nos mais diversos aspectos: o primeiro deles é a elegante e vibrante imagética, que não apenas recupera as vestimentas e a estética de meados do século XVI, como oferece incursões diferentes e contemporâneas que se alastram para outras esferas – como, por exemplo, a trilha sonora, acompanhada de versões reimaginadas de grandes sucessos da música pop (como “Halo”, de Beyoncé, e “Nobody Gets Me”, de SZA). E o segundo aspecto a nos chamar a atenção é a multiplicidade exuberante de atuações – que têm como âncora a presença incandescente de Amarteifio e de Rosheuvel.
A dupla não é a única a ganhar os holofotes: temos também a presença de Mylchreest como o príncipe George, que, a princípio, posa como um apaixonado homem que depois demonstra esconder um terrível segredo – uma propensão à insanidade que deve ser escondida da alta sociedade a fim de não colocar em xeque o poder da Coroa. Logo de cara, Charlotte e George passam por inúmeros problemas que antecipam mais um casamento falido dentro do universo ‘Bridgerton’, mas que depois transformam-se em amor verdadeiro à medida que Charlotte quer ajudá-lo e o aceita como ele é, jurando estar a seu lado até que a morte os separe (algo concretizado com uma belíssima e cândida cena compartilhada entre Rosheuvel e James Fleet como os monarcas mais velhos).
Arsema Thomas é outra joia a dominar as telas, interpretando a versão mais nova de Danbury, recuperando os trejeitos imortalizados por Andoh com acidez e ironia aplaudíveis; Michelle Farley mergulha de cabeça numa construção séria e resiliente de Augusta, mãe de George e matriarca da família real que comanda seus súditos e seus companheiros com rédeas curtas; e Sam Clemmett e Freddie Dennis protagonizam o romance proibido entre Brimsley, acompanhante da Rainha, e Reynolds, acompanhante do Rei, nutrindo de uma química inexplicavelmente cândida e saudosista.
Em vários momentos, é notável como ‘Rainha Charlotte’ ultrapassa a qualidade do produto original, refinando as falas e o arco dos personagens a que estávamos acostumados, imbuído com a quantidade certa de drama, comédia e romance – tudo o que esperaríamos de uma obra como essa. No final das contas, o resultado é muito aprazível e nos preenche por completo, mostrando que ainda há muito a se contar sobre esse incrível universo.