Um reality show em andamento, com meia dúzia de pessoas confinadas. Um diretor de programa extremamente vaidoso, que só busca aumentar a audiência. O público, alienado. E, no meio disso tudo, um terrível apocalipse acontece do nada do lado de fora, na vida real, e, da noite pro dia as pessoas são obrigadas a ficar em casa, buscar abrigo e sobreviver. Parece a nossa vida aqui no confinamento social né? Mas esse é o conceito de ‘Reality Z’, nova série brasileira de terror da Netflix.
Timing perfeito? Enorme coincidência? Mau gosto estrear essa série agora? Independentemente de o argumento se aproximar muito com nossa realidade hoje, as controversas não se limitam a isso.
Com dez episódios de meia hora cada, o roteiro de Rodrigo Monte e Cláudio Torre – que é uma adaptação da minissérie britânica ‘Dead Set’, criada por Charlie Brooker – é extremamente dinâmico, ágil e sem apegos. A cada três episódios a trama toda é chacoalhada, novos elementos entram e o arco termina com algo inacreditável que faz o espectador seguir adiante. E em respeito aos fãs de terror, já que a tal ameaça externa é um apocalipse zumbi, o roteiro dá o devido espaço aos monstrengos, fazendo-os participar direta e constantemente no destino dos personagens.
A controversa, entretanto, reside no fato de *contém spoiler* por um lado a série fazer questão de incluir atores e atrizes pretos, trans, idosos, gays (o que é extremamente positivo), mas, por outro, reforça estereótipos enraizados, colocando justamente esses mesmos personagens como os primeiros a serem eliminados. Quer dizer, enquanto Teresa (Luellem de Castro, que está muito bem na série) tem falas poderosíssimas (ao se referir ao policial: “esse psicopata quer decidir quem vive e quem morre”; ao debater sobre deixar outras pessoas do lado de fora e ser voto vencido, dizer a Léo “você não sabe o que é ficar de fora”), ao mesmo tempo ela é uma personagem que, na sua trajetória na trama, começa algemada, tem que aguentar o racismo e a branquitude constante, sofre uma tentativa de estupro e ainda fica na linha de frente no combate aos zumbis – traumas que só acontecem a ela, e não a outros personagens.
Maaaas, tirando essa camada controversa, através do artifício da ficção de gênero ‘Reality Z’ também escancara o que há de pior na nossa sociedade, com personagens que são beeeem estereotipados para representar esses cidadãos do bem que são justamente os que não sabem viver em coletivo. *fim do spoiler* Os destaques são Guilherme Webber, que constrói um Brandão narcísico, egoísta e tão histérico, que garante o riso em todas as suas cenas; Wallie Ruy, com sua Madonna que chama a atenção em cena; Ana Hartmann, que conquistou um convincente protagonismo com sua Nina; Teca Pereira, que, no auge da sua idade, topou fazer uma série de zumbis; Leda Nagle, em sua aparição rápida na televisão; Jesus Luz, que reapareceu nessa série; e a breve participação de Sabrina Sato, que, através da apresentadora Divina, aproxima a realidade e a ficção e a realidade do reality, o que também gera diversão ao espectador.
Enquanto objeto cinematográfico, ‘Reality Z’ faz jus ao nome de superprodução, com suas tomadas aéreas e com drones, fechamento de ruas para gravação e efeitos especiais da edição (aliás, palmas para os responsáveis em retratar o Rio de Janeiro apocalíptico, com aviões na Lagoa Rodrigo de Freitas e fogueiras por todos os lados) – que são características da super competência da Conspiração, responsável por sucessos como ‘Sob Pressão’. A série conta ainda com uma trilha sonora eclética que inclui a inserção pontualíssima de ‘Panis et Circenses’, clássica música de Os Mutantes.
Despretensiosa, ‘Reality Z’ é uma série que firma a criatividade brasileira em construir narrativas de gênero localizadas no próprio país. Divertida, vai agradar aos fãs da vertente trash e gore, com seus esguichos de sangue e situações absurdas que provocam o riso solto.