Existem histórias de luta e de guerra que atravessam a história moderna da humanidade e segue acontecendo, ano após ano, sem nenhuma resolução. Estes episódios acontecem principalmente com relação a disputas territoriais, seja na invasão de espaço ou de independência e autonomia de territórios. Estes, por exemplo, eram os direcionamentos do grupo ETA (Euskadi Ta Askatasuna), grupo basco que buscou se independer da monarquia e da política espanhola e que por cerca de meio século promoveu muita violência em prol do seu objetivo – que não foi alcançado. O grupo anunciou o fim de suas atividades em 2018, mas as consequências de seus atos são sentidas até hoje, tanto na Espanha quanto nos arredores daquele país. Uma dessas histórias inspirou o filme espanhol ‘Redenção’, já em cartaz nos cinemas.
María (María Cerezuela) está alegre com seus amigos celebrando seu aniversário à beira do lago quando é surpreendida pela notícia de que seu pai, Juan María Jaúregui (Josu Ormaetxe) fora assassinado. Pior: que ele fora assassinado a sangue frio em um restaurante por representantes do grupo ETA. O episódio destrói a estabilidade da família, que, onze anos depois, quando María já é uma jovem mãe, fica claro que a paranoia e o trauma da violência percorrem o dia a dia dela com a mãe, Maixabel Lasa (Blanca Portillo, de ‘Volver’, de Pedro Almodóvar). Porém, após os criminosos serem presos e mais de uma década de passar, Maixabel pensa diferente da filha e procura paz para si mesma. Para isso, ela decide aceitar um convite de uma ONG para visitar na prisão o assassino de seu marido, de modo a, com essa conversa, encontrar uma redenção para si mesma e para o algoz, Ibon (Luis Tosar).
‘Redenção’ é um filme de ficção que se assemelha muito à realidade, e é mesmo inspirado em eventos reais. O desenrolar dos eventos no roteiro de Isa Campo e de Icíar Bollaín ocorre de maneira muito orgânica, o que confere credibilidade aos acontecimentos dessa ficção. Por exemplo, o estado psicológico oposto da mãe e da filha (a mais velha se sentindo resignada e tentando seguir em frente com a vida, a mais nova totalmente traumatizada pela violência e paranoica de perder a mãe e o filho para o mesmo destino que ceifara o pai) é bastante crível, podemos mesmo ter empatia pelo drama consequente que essa mãe e essa filha têm de enfrentar no seu dia a dia a partir da cisão que essa família sofre derivado da violência. E não é difícil nos relacionarmos com o que essas personagens sentem, uma vez que aqui no Brasil vivemos situação de violência semelhante nas grandes metrópoles.
A proposta da diretora Icíar Bollaín é trazer um contraponto constante ao longo de quase duas horas, ora focando no sofrimento da família da protagonista, ora dando visibilidade aos sentimentos daqueles que participaram dos atos violentos. Essa estrutura acaba arrastando um pouco o ritmo do longa, que não se furta de expressar sua opinião ao transformar os criminosos em seres humanos não só arrependidos de seus atos, mas retratados como homens que foram iludidos pela causa do ETA. É possível que essa abordagem não agrade a alguns espectadores.
Em seus estudos, Freud abordou um conceito nominado de perlaboração do trauma, e o filme ‘Redenção’ é sobre isso: não é sobre perdão nem sobre esquecer, é sobre entrar num processo em que enfrenta o trauma de frente e o supera, conseguindo, assim, continuar a viver.