Aprendam, Snyder e Bay!
Depois da tentativa malfadada com A Lenda de Tarzan no ano passado, a Warner mira a revitalização de um novo ícone da literatura mundial: Rei Arthur. Para a missão, o cineasta inglês Guy Ritchie, conterrâneo de Arthur, foi o escalado. E para entender o que o diretor faz com o longa, é necessária certa contextualização, que implica numa breve recapitulação de sua carreira.
Ritchie, também conhecido como o ex-marido da material girl em pessoa, Madonna, chegou no mundo do cinema fazendo barulho com seus dramas criminais estilosos, vide Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (1998) e Snatch – Porcos e Diamantes (2000). As obras foram suficientes para que artista fosse imediatamente considerado o Tarantino britânico, já que suas produções pareciam pertencer ao mesmo universo, embora separadas por oceanos.
A explosão para o status de estrela do rock veio só em 2009, no entanto, quando Ritchie foi escolhido pela mesma Warner (estúdio no qual fez sua cama) para modernizar Sherlock Holmes, um dos mais famosos personagens britânicos da literatura mundial. Protagonizado por um Robert Downey Jr. inspirado e no auge, o filme, mesmo descaracterizando totalmente a figura do detetive, se tornou um baita sucesso, rendendo uma sequência dois anos depois e prometendo uma terceira parte.
Agora, o cineasta investe novamente no estilo Ritchie para uma lenda, no comando de uma produção de centenas de milhões de dólares, que aparenta um escopo ainda maior do que a Warner havia lhe oferecido para Holmes. Os itens da cartilha de seu cinema particular estão todos reunidos aqui, entre eles diálogos verborrágicos, narração explicativa de cenas que irão ocorrer ou já aconteceram, e transições rápidas de edição chamativa entre este passado, presente e futuro.
Para quem não está familiarizado com o estilo de Ritchie, é necessário dizer que o diretor costuma aplicar uma atmosfera pop, moderna e cheia de energia a suas produções, sejam seus tópicos os glamorosos anos 1960 de O Agente da UNCLE (2015), a Inglaterra vitoriana de Sherlock ou a idade média de Rei Arthur. Mal comparando, o nível de frenesi é tão alto quanto os dos filmes de Michael Bay ou Zack Snyder, porém, contrabalanceado com momentos mais calmos, nos quais personagens podem ser desenvolvidos.
Existe uma eficiente transição entre drama (com cenas bem emotivas, em especial uma no terceiro ato envolvendo Jude Law), humor e ação. Fora isso, Rei Arthur: A Lenda da Espada resgata certo tradicionalismo no estilo capa e espada de fantasia. Existem magia, criaturas e todo tipo de elemento sobrenatural permeando o longa, afastando qualquer hipótese de um épico medieval sério. Ao mesmo tempo, o que Ritchie faz é misturar tais elementos com o cinema de super-heróis, muito em voga com os jovens que lotam as salas de multiplex. Parece estranho mencionar a união de tais subgêneros, mas o diretor realiza uma simbiose eficiente, explorando bem sua narrativa e dando ênfase para sua história acima da estética.
A trilha sonora imponente de Daniel Pemberton cria desde já cenas memoráveis, ao serem casadas com lutas e batalhas confeccionadas pelo diretor, como o momento em que Arthur se descobre dono da espada, ou quando a usa em combate pela primeira vez. Os atores são parte do chamariz, com um Charlie Hunnam mais carismático do que nunca, dando vida ao Arthur do gueto britânico, truculento, mulherengo, mas justo. Jude Law vive o grande vilão do longa, o obscuro e ambicioso Vortirgen, rei regente e tio do herói. O antagonista conflituoso fica longe da caricatura e bidimensionalidade. E Astrid Bergès-Frisbey (a sereia de Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas) é uma digna substituta para o Mago Merlin, na pele de sua sofrida aprendiz.
Rei Arthur: A Lenda da Espada surpreende por sua eficiência, como uma pérola escondida entre as superproduções do ano. Enquanto todos olham para os medalhões, esta produção da Warner corre por fora garantindo a vaga como um dos melhores e mais divertidos blockbusters de 2017. Vida longa ao rei e que venha a continuação, por favor!