sábado , 2 novembro , 2024

Crítica | Remake de ‘A Dama e o Vagabundo’ é adorável, mas falha em se sustentar

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Em 1955, a trama de A Dama e o Vagabundo era eternizada pelos estúdios Walt Disney e entrava para a História como uma das animações mais adoráveis de todos os tempos (afinal, quem não gosta de ver uma aventura protagonizada por cachorros?). À medida que a Casa Mouse expandia seu império para a onda de remakesJosep em live-action, era só uma questão de tempo até que o filme em questão ganhasse uma nova adaptação – e, neste ano, a estreia do serviço de streaming Disney+ veio acompanhado dessa aguardada investida.

Levando em conta o histórico da companhia e de suas constantes falhas em resgatar o elemento-surpresa e emotivo que nos cativou há tantos anos (salvo pouquíssimas exceções), é inegável dizer que o retorno dos cãezinhos mais conhecidos da indústria cinematográfica vinha acompanhado de certas ressalvas. Entretanto, o diretor Charlie Bean, conhecido por seu trabalho em diversas produções animadas televisivas (como ‘A Vaca e o Frango’ e As Meninas Superpoderosas), prometia revitalizar e expandir a mitologia quase verossímil apresentada tantas décadas atrás, quem sabe transformando a jornada romântica dos protagonistas-titulares em algo a mais do que já tínhamos visto. Porém, o resultado final se isola no meio do caminho, valendo-se essencialmente de uma nostalgia almofadada e de uma ruptura excessiva com o apaixonante elemento antropomórfico de outrora.

Se A Dama e o Vagabundo tornou-se um clássico e detém, até hoje, algumas das sequências mais memoráveis do cinema hollywoodiano, Bean teria uma tarefa e tanto pela frente. De fato, o cineasta entrega o que se propõe a fazer durante o primeiro ato inteiro, delineando a vida de Dama (Tessa Thompson), uma obediente cocker spaniel que traz alegria para a casa de Jim Dear (Thomas Mann) e Darling Dear (Kiersey Clemons). Em sua breve existência, Dama sempre foi fiel ao seu núcleo familiar e nunca ao menos se aventurou para além das cercas de seu lar – exceto, talvez, para trocar uma ou outra palavra com os cachorros vizinhos, Trusty (Sam Elliott) e Jock (Ashley Jensen). Isso é, até que sua dona fica grávida e ela pressente gradativamente que seu posto de “queridinha” logo será colocado em xeque.

Do outro lado do enredo, temos o schnauzer vira-lata Vagabundo (Justin Theroux), que na verdade é chamado pela alcunha e se livrou seu antigo nome para viver livremente. Entretanto, essa liberdade da qual tem tanto orgulho é ameaçada pela presença de um perigoso apanhador de cachorros que foi contratado para tirar de circulação quaisquer caninos sem identificação e que “representem ameaça pública”. E, como já podemos imaginar, é fugindo de seu fatal destino que Vagabundo cruza caminho com Dama e ambos entram em atrito devido a personalidades tão diferentes.

Os esforços de Bean são notáveis, mas morrem antes de chegarem à praia: fica bem claro que seu constante e minucioso trabalho são traduzidos em algumas oportunidades interessantes, especialmente aquelas conduzidas pela proposital e redundante trilha sonora curada por Joseph Trapanese. É claro que, num espectro generalizante, a cena mais aguardada dos espectadores é o romântico jantar entre os personagens principais, revisitada inúmeras vezes por diversas obras audiovisuais: ainda que perca sua cândida atmosfera pela adição de algumas quebras de expectativas descartáveis, o enlace entre Dama e Vagabundo é perfeitamente recuperado pela melódica rendição de “Bella Notte” (que também ganha outras dimensões ao longo do filme).

E então, a produção se rende a uma amálgama de atos desconexos e volta o desenrolar da trama para um protagonismo que não deveria existir: o dos humanos. Desde o homem da carrocinha até os donos de Lady e até mesmo a presença pontual de tia Sarah (Yvette Nicole Brown) desconstroem o pano de fundo primordial e se assemelham à esquecível iteração de 101 Dálmatas lançada em 1996. Para além disso, o roteiro assinado por Andrew Bujalski e Kari Granlund, aumentando o tempo cênico da epopeia, se apressam inclusive no tocante à backstory de Vagabundo, transformando seu abandono em um rápido e inexpressivo flashback que eventualmente cai nas fórmulas do pedantismo dramático.

Ao menos o diretor explora alternativas para aumentar o arco narrativo dos cãezinhos e utiliza muito dos elementos naturalistas do mumblecore para garantir uma fluidez entre as personas. Thompson e Theroux fazem o que conseguem com os diálogos que recebem e delineiam os primórdios de uma relação que se consolida apenas no grand finale do terceiro ato; Elliott, em seu forte e inebriante sotaque sulista, entra em um delicioso conflito com Jensen e, certamente, representam alguns dos melhores momentos da obra. Em contraposição, as rendições musicais se restringem a números blasé demais para terem significativa participação (ora, nem mesmo Janelle Monáe se sobressai ao comandar o solo “He’s a Tramp”).

Em suma, A Dama e o Vagabundo é uma medíocre adaptação que acerta o mesmo tanto de vezes que erra. Apesar do incrível e bem estruturado cenário e de algumas sequências divertidas e frenéticas, o novo remake dos estúdios Walt Disney depende muito do saudosismo em vez de almejar a algo novo.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Levando em conta o histórico da companhia e de suas constantes falhas em resgatar o elemento-surpresa e emotivo que nos cativou há tantos anos (salvo pouquíssimas exceções), é inegável dizer que o retorno dos cãezinhos mais conhecidos da indústria cinematográfica vinha acompanhado de certas ressalvas. Entretanto, o diretor Charlie Bean, conhecido por seu trabalho em diversas produções animadas televisivas (como ‘A Vaca e o Frango’ e As Meninas Superpoderosas), prometia revitalizar e expandir a mitologia quase verossímil apresentada tantas décadas atrás, quem sabe transformando a jornada romântica dos protagonistas-titulares em algo a mais do que já tínhamos visto. Porém, o resultado final se isola no meio do caminho, valendo-se essencialmente de uma nostalgia almofadada e de uma ruptura excessiva com o apaixonante elemento antropomórfico de outrora.

Se A Dama e o Vagabundo tornou-se um clássico e detém, até hoje, algumas das sequências mais memoráveis do cinema hollywoodiano, Bean teria uma tarefa e tanto pela frente. De fato, o cineasta entrega o que se propõe a fazer durante o primeiro ato inteiro, delineando a vida de Dama (Tessa Thompson), uma obediente cocker spaniel que traz alegria para a casa de Jim Dear (Thomas Mann) e Darling Dear (Kiersey Clemons). Em sua breve existência, Dama sempre foi fiel ao seu núcleo familiar e nunca ao menos se aventurou para além das cercas de seu lar – exceto, talvez, para trocar uma ou outra palavra com os cachorros vizinhos, Trusty (Sam Elliott) e Jock (Ashley Jensen). Isso é, até que sua dona fica grávida e ela pressente gradativamente que seu posto de “queridinha” logo será colocado em xeque.

Do outro lado do enredo, temos o schnauzer vira-lata Vagabundo (Justin Theroux), que na verdade é chamado pela alcunha e se livrou seu antigo nome para viver livremente. Entretanto, essa liberdade da qual tem tanto orgulho é ameaçada pela presença de um perigoso apanhador de cachorros que foi contratado para tirar de circulação quaisquer caninos sem identificação e que “representem ameaça pública”. E, como já podemos imaginar, é fugindo de seu fatal destino que Vagabundo cruza caminho com Dama e ambos entram em atrito devido a personalidades tão diferentes.

Os esforços de Bean são notáveis, mas morrem antes de chegarem à praia: fica bem claro que seu constante e minucioso trabalho são traduzidos em algumas oportunidades interessantes, especialmente aquelas conduzidas pela proposital e redundante trilha sonora curada por Joseph Trapanese. É claro que, num espectro generalizante, a cena mais aguardada dos espectadores é o romântico jantar entre os personagens principais, revisitada inúmeras vezes por diversas obras audiovisuais: ainda que perca sua cândida atmosfera pela adição de algumas quebras de expectativas descartáveis, o enlace entre Dama e Vagabundo é perfeitamente recuperado pela melódica rendição de “Bella Notte” (que também ganha outras dimensões ao longo do filme).

E então, a produção se rende a uma amálgama de atos desconexos e volta o desenrolar da trama para um protagonismo que não deveria existir: o dos humanos. Desde o homem da carrocinha até os donos de Lady e até mesmo a presença pontual de tia Sarah (Yvette Nicole Brown) desconstroem o pano de fundo primordial e se assemelham à esquecível iteração de 101 Dálmatas lançada em 1996. Para além disso, o roteiro assinado por Andrew Bujalski e Kari Granlund, aumentando o tempo cênico da epopeia, se apressam inclusive no tocante à backstory de Vagabundo, transformando seu abandono em um rápido e inexpressivo flashback que eventualmente cai nas fórmulas do pedantismo dramático.

Ao menos o diretor explora alternativas para aumentar o arco narrativo dos cãezinhos e utiliza muito dos elementos naturalistas do mumblecore para garantir uma fluidez entre as personas. Thompson e Theroux fazem o que conseguem com os diálogos que recebem e delineiam os primórdios de uma relação que se consolida apenas no grand finale do terceiro ato; Elliott, em seu forte e inebriante sotaque sulista, entra em um delicioso conflito com Jensen e, certamente, representam alguns dos melhores momentos da obra. Em contraposição, as rendições musicais se restringem a números blasé demais para terem significativa participação (ora, nem mesmo Janelle Monáe se sobressai ao comandar o solo “He’s a Tramp”).

Em suma, A Dama e o Vagabundo é uma medíocre adaptação que acerta o mesmo tanto de vezes que erra. Apesar do incrível e bem estruturado cenário e de algumas sequências divertidas e frenéticas, o novo remake dos estúdios Walt Disney depende muito do saudosismo em vez de almejar a algo novo.

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