A trilogia animada ‘Como Treinar o Seu Dragão’ é uma das franquias mais belas e bem recebidas da década passada, alcançando uma recepção fortíssima através de longas-metragens muito bem-produzidos e que acompanharam de perto o sucesso inenarrável da DreamWorks Animation. Acompanhando as aventuras de Soluço e seus amigos em um reino viking povoado por humanos e dragões em uma disputa interminável que logo se transforma em uma improvável aliança, a saga transformou-se em um universo multimidiático que estende um importante legado até os dias de hoje.
Acompanhando a onda de remakes em live-action da Walt Disney Studios, o anúncio de uma nova adaptação pela DreamWorks veio com comoção generalizada por parte dos inveterados fãs, ansiando por uma nova perspectiva que reuniria boa parte da equipe do projeto original em uma celebratória carta de amor cinematográfica. E, mergulhando de cabeça nessa apaixonante e fabulesca empreitada, o resultado é extremamente positivo e aprazível, trazendo um time de atores de ponta que vibra nas telonas em um épico emocionante que nos tira o fôlego desde os primeiros segundos.

Existe uma discussão acalorada entre cinéfilos que comenta sobre a fidelidade de produções em live-action quando em comparação com a obra original. Tivemos, em 2023, a estreia da primeira temporada de ‘The Last of Us’, que caiu nas graças dos espectadores e dos especialistas como uma joia da televisão contemporânea e uma das melhores séries do século – mas trouxe breves críticas que discorriam sobre a verossimilhança exagerada para com o game, como se fosse um projeto desprovido de autenticidade e de alma própria. E, após a primeira exibição oficial para os jornalistas, ‘Como Treinar o Seu Dragão’ atraiu comentários similares que denotavam a falta de um objetivo claro para a existência de tal produção – algo que não faz sentido, considerando que a animação já completou quinze anos desde sua estreia e que revitalizá-la para uma nova geração apenas ajuda a corroborar seu impacto.
As proclamações caem por terra à medida que o projeto se desenrola e nos convida a uma epopeia de tirar o fôlego e que passa em um piscar de olhos: aqui, Mason Thames, que ganhou notoriedade depois de estrelar o ótimo ‘O Telefone Preto’, encarna Soluço, um jovem que não se sente parte da comunidade em que vive, Berk. Afinal, sendo filho do chefe da tribo, Stoico (Gerard Butler reprisando o papel que eternizou nas animações), ele sofre uma pressão constante para seguir os passos do pai, mas não encontra sucesso por não sentir o mesmo ímpeto que os outros guerreiros em enfrentar o constante ataque de perigosos dragões que assola o cotidiano dos vikings. Aliás, ele tem muito mais apreço por criar invenções mirabolantes que são diminuídas por olhares tortos de desaprovação – incluindo do ferreiro Bocão Bonarroto (Nick Frost) e da corajosa guerreira Astrid (Nico Parker).

Em uma determinada noite, Soluço faz o impossível: consegue atingir um Fúria da Noite, a raça de dragão mais perigosa de todas e que nunca foi capturado ou abatido por um viking. Porém, ao encontrá-lo no meio da floresta, ele desenvolve uma afeição pela criatura, que apelida carinhosamente de Banguela, e passa a estudar seu comportamento e a enxergar os dragões com um outro olhar – um olhar de companheirismo, de respeito e de amizade. E as coisas se complicam mais quando Stoico coloca seu filho no treinamento para combater dragões, supervisionado por Bocão e onde irá concorrer ao lado de cinco jovens, incluindo a impetuosa e determinada Astrid.
Dean DeBlois, que fez história ao trazer a história de Soluço às telonas há uma década e meia, retorna à cadeira de direção e demonstra estar ainda mais apaixonado pelo universo arquitetado por Cressida Cowell. Enquanto o projeto animado estendeu-se por pouco mais de uma hora e meia, o live-action brilha em mais de duas horas de pura diversão, transformando-se em uma mistura quase perfeita de drama, aventura e comédia. O realizador singra pela mitologia nórdica de maneira despojada, abraçando cada um dos personagens como se fossem seus próprios filhos, e permitindo que os atores escalados façam um trabalho magnífico. E, ficando responsável pelo roteiro, DeBlois consegue expandir os momentos certos e se esquiva de potenciais escolhas equivocadas.
A beleza do projeto desponta de maneiras diferentes e, à medida que as engrenagens vão se encaixando, é notável a preocupação estética do time em não repetir o que já nos presenteado há vários anos, mas garantir que novidades existam: temos a trilha sonora remanejada de John Powell, que acrescenta mais elementos palpáveis a um épico orquestral de tirar o fôlego; a fotografia de Bill Pope pega elementos do gênero fantástico para construir uma montanha-russa de sensações que nos aproxima dos personagens em momentos mais melodramáticos e que os coloca frente a forças inimagináveis quando partem para uma aventura mortal.
A cereja do bolo, é claro, vem com a entrega irretocável do elenco: Thames parece ter nascido para interpretar Soluço, apropriando-se da personalidade propositalmente estabanada do herói para nos encantar com seu charme performático; Parker, recém-saída de uma premiada performance em ‘The Last of Us’, explora novas camadas de Astrid e nutre de uma química invejável com Thames; e Butler, reprisando o papel de Stoico, diverte-se nas telonas em um dos melhores papéis de sua carreira, navegando pela complexa mentalidade de um homem dividido entre a tarefa de ser pai e de ser um líder. E é claro, nomes como Frost, Julian Dennison, Bronwyn James e Gabriel Howell são bem-vindas adições a essa equipe dos sonhos.
O remake em live-action de ‘Como Treinar o Seu Dragão’ honra o profundo legado deixado pela animação de 2010 – e faz isso não só ao manter-se extremamente fiel à obra original, mas ao acrescentar elementos inéditos em uma grande declaração de amor aos fãs.

